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Sim, ele conseguiu

Paul Krugman

17/06/2014 00h06

Várias vezes nas últimas semanas, eu me vi em conversas com liberais que balançam a cabeça com tristeza e expressam sua decepção com o presidente Barack Obama. Por quê? Eu suspeito que estejam sendo influenciados, com frequência sem perceber, pela narrativa predominante na mídia.

A verdade é que atualmente grande parte do comentário que vemos sobre o governo Obama –e também grande parte das reportagens– enfatiza o negativo: o contraste entre as esperanças extravagantes de 2008 e as realidades prosaicas da guerra de trincheira política, os problemas no Departamento de Assuntos dos Veteranos, os problemas no Iraque, e assim por diante. O que é aceito, ao que parece, é retratar Obama como se debatendo, com sua presidência em dificuldades, se não fracassada.

Mas tudo isso está errado. É preciso julgar os líderes por suas realizações, não pelo que é dito a respeito deles, e em termos de políticas, Obama está tendo um ano muito bom. De fato, há uma boa chance de que 2014 entre para a história como um daqueles anos em que os Estados Unidos deram uma grande guinada na direção certa.

9.nov.2012 - Imagem retirada de vídeo e divulgada pelo comitê de campanha de Barack Obama mostra o presidente americano, já reeleito, enxugando as lágrimas, enquanto agradecia a uma plateia de voluntários e assistentes de campanha - AP - AP
Imagem retirada de vídeo e divulgada pelo comitê de campanha de Barack Obama mostra o presidente americano, já reeleito, enxugando as lágrimas
Imagem: AP

Primeiro, a reforma da saúde agora é uma realidade –e apesar do começo atrapalhado, está parecendo ser uma grande história de sucesso. Lembra de como ninguém iria se inscrever? As inscrições no primeiro ano foram acima das projeções. Lembra de como as pessoas que se inscreveriam não pagariam seus prêmios? A vasta maioria pagou.

Nós ainda não temos um quadro pleno do impacto da reforma sobre os antes não segurados, mas todas as informações que dispomos indicam um grande progresso. As pesquisas, como o levantamento mensal do Gallup, mostram uma queda acentuada no percentual de americanos que se declaram não segurados. Os Estados que expandiram o Medicaid (seguro-saúde público para pessoas de baixa renda) e promoveram ativamente as novas bolsas se saíram especialmente bem –por exemplo, uma nova pesquisa em Minnesota mostra uma queda de 40% no número de moradores não segurados.

E há todo motivo para esperar muito mais progresso no ano que vem. Notadamente, seguradoras adicionais estão entrando nas bolsas, o que é tanto um indício de que as seguradoras acreditam que as coisas vão bem e um motivo para esperar uma maior concorrência e maior número de inscritos no ano que vem.

E temos as políticas climáticas. As novas regras do governo Obama para usinas elétricas não bastam para salvar o planeta, mas são um começo –e a iniciativa ambiental mais importante desde a Lei do Ar Limpo. Eu acrescentaria que esta é uma questão pela qual Obama está exibindo verdadeira paixão.

A reforma financeira, apesar de muito mais fraca do que deveria ser, é real –basta perguntas aos tipos de Wall Street que, enfurecidos com os novos limites às suas negociatas, deram as costas aos democratas.

Somando tudo isso, Obama parece um presidente bastante consequente. Ocorreram imensas oportunidades perdidas no início de seu governo –estímulo inadequado, fracasso em fornecer alívio significativo aos proprietários de imóveis em dificuldades. Além disso, ele desperdiçou anos na busca pela Grande Barganha no orçamento que, fora ter revelado ser impossível, teria conduzido os Estados Unidos na direção errada. Mas em seu segundo mandato, ele está cumprindo a promessa de uma verdadeira mudança para melhor. Então por que todo o noticiário negativo?

Parte da resposta pode ser o índice relativamente baixo de aprovação de Obama. Mas isso reflete principalmente a polarização política –forte aprovação pelos democratas, mas oposição universal dos republicanos– que é mais um sinal dos tempos do que um problema com o presidente. De qualquer forma, os presidentes devem ser julgados pelo que fazem, não pela opinião pública volúvel.

Uma resposta maior, eu acho, é a síndrome Simpson-Bowles –a crença de que coisas boas vêm em pacotes bipartidários e que probidade fiscal é a principal questão de nossos tempos. Essa síndrome persiste entre muitos autoproclamados centristas, apesar de estar bem claro para qualquer um que esteja prestando atenção que (a) os republicanos de hoje simplesmente não farão concessões a um presidente democrata, e (b) que a suposta crise fiscal foi enormemente exagerada.

O resultado da persistência da síndrome é que as grandes realizações de Obama não são registradas por grande parte do establishment de Washington: ele deveria salvar o orçamento, não o planeta, e supostamente deveria atrair o apoio dos republicanos.

Mas quem se importa com o que os centristas pensam? A reforma da saúde é algo de peso; se você se importa com o futuro, a ação em relação ao clima é muito mais importante do que elevar a idade de aposentadoria. E se essas realizações foram feitas sem apoio republicano, e daí?

Eu suponho que algumas pessoas estejam desapontadas por Obama não ter conseguido tornar nossa política menos amarga e polarizada. Mas isso era improvável. A verdadeira questão é se ele (com a ajuda de Nancy Pelosi e outros) conseguiu um progresso real nas questões importantes. E a resposta, fico feliz em dizer, é sim: ele conseguiu.