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Economia em sociedade desigual e polarizada depende de decisões políticas

Quem realmente perde com taxas de juros baixas são os verdadeiramente ricos, segundo Krugman - Shutterstock
Quem realmente perde com taxas de juros baixas são os verdadeiramente ricos, segundo Krugman Imagem: Shutterstock

12/07/2014 00h01

Uma lição infeliz que aprendemos nos últimos anos é que a economia é um assunto muito mais político do que nós gostaríamos de imaginar. Bem, você pode dizer que está na cara. Mas, antes da crise financeira, muitos economistas - até eu, em certa medida - acreditavam que havia um consenso profissional bastante amplo sobre algumas questões importantes.

Isso era especialmente verdadeiro em relação à política monetária. Não se passaram tantos anos desde que o governo de George W. Bush declarou que uma lição da recessão de 2001 e da recuperação que se seguiu foi que “a política monetária agressiva pode tornar a recessão mais curta e mais branda”. Certamente, então, teríamos um consenso bipartidário em favor de uma política monetária ainda mais agressiva para combater a crise muito pior de 2007 a 2009. Certo? Bem, não.

Eu escrevi várias vezes sobre o fenômeno do “sadomonetarismo”, a constante exigência de que o Federal Reserve e outros bancos centrais parassem de tentar estimular o emprego e, em vez disso, aumentassem as taxas de juros, independentemente das circunstâncias. Eu sugeri que a persistência desse fenômeno tem muito a ver com ideologia, que, por sua vez, tem muito a ver com interesses de classe. E ainda acho que isso é verdade.

Mas, agora, penso que os interesses de classe também operam através de um canal mais grosseiro e mais direto. Muito simplesmente, as políticas de dinheiro fácil podem ajudar a economia como um todo, mas são diretamente prejudiciais para as pessoas que recebem uma grande quantidade de sua renda de títulos e outros ativos que pagam juros - e isso significa, principalmente, os muito ricos; em particular, os 0,01% superiores.

A história até agora é essa: por mais de cinco anos, o Fed tem enfrentado duras críticas de uma coalizão de economistas, especialistas, políticos e magnatas da indústria financeira que advertem que sua política está “degradando o dólar” e preparando o cenário para a inflação galopante. Você poderia achar que a insistência da inflação em não se materializar da forma prevista causaria, pelo menos, algumas dúvidas, mas estaria errado. Alguns dos críticos inventaram novas justificativas para as necessidades políticas imutáveis - "é por causa da inflação!"; "não, é por causa da estabilidade financeira!". Mas a maioria, simplesmente, continuou a repetir as mesmas advertências.

Quem são esses críticos sempre errados e que nunca têm dúvidas? Sem exceções, pelo que eu saiba. Eles vêm do lado direito do espectro político. Mas por que os sentimentos da direita andam de mãos dadas com a paranoia da inflação? Uma resposta é que o uso da política monetária para combater o desaquecimento é uma forma de ativismo governamental. E os conservadores não querem legitimar a noção de que uma ação do governo jamais possa ter efeitos positivos porque abriria um precedente e você poderia acabar endossando coisas, como seguro de saúde garantido pelo governo.

Mas há também uma razão muito mais direta para aqueles que defendem os interesses dos ricos para reclamar do dinheiro fácil: os ricos derivam uma parte importante de sua renda de juros sobre os títulos, e as políticas de baixa taxa reduziram muito essa renda.

As reclamações contra as taxas de juros baixas são normalmente estruturadas em termos do dano que causa para os americanos aposentados que vivem dos juros de seus Certificados de Depósitos. Mas os recibos de juros dos americanos mais velhos vão principalmente para uma minoria pequena e relativamente abastada. Em 2012, o idoso médio americano que vive de juros recebeu mais de US$ 3.000, mas a metade do grupo recebeu US$ 255 ou menos. Quem realmente perde muito com as taxas de juros baixas são os verdadeiramente ricos - nem mesmo o 1% superior, mas o 0,1%, ou mesmo o 0,01%. Em 2007, antes da crise, o membro médio do 0,01% superior recebeu US$ 3 milhões (em dólares de 2012) em juros. Em 2011, esse número caiu para US $ 1,3 milhão -perda equivalente a quase 9% da renda do grupo em 2007.

Isso é muito e, certamente, explica grande parte da histeria em torno da política do Fed. Os ricos tendem a acreditar que o que é bom para eles é bom para o país mais do que a maioria das pessoas. E a sua riqueza e a influência que ela compra garantem que haja sempre uma abundância de supostos especialistas ansiosos para encontrar justificativas para essa atitude. Daí o sadomonetarismo. O que me traz de volta à politização da economia.

Agora está claro que, antes da crise financeira, muitos bancos centrais e economistas estavam vivendo em um mundo de fantasia, imaginando que eram tecnocratas isolados da briga política. Afinal de contas, seu trabalho é guiar a economia por entre os riscos de inflação e depressão. E quem poderia opor-se a isso? Acontece, porém, que, apesar de ser do interesse da grande maioria dos norte-americanos, usar a política monetária para combater a depressão não é do interesse de uma pequena minoria rica. E, como resultado, a política monetária está tão presa pelo conflito ideológico quanto a política fiscal.

A verdade é que, em uma sociedade tão desigual e polarizada quanto a nossa hoje, quase tudo é política. Acostume-se com isso.