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Empresas dos EUA estão ficando mestres na 'arte' de evitar impostos

Paul Krugman

01/08/2014 00h01

Em decisões recentes, a maioria conservadora da Suprema Corte deixou clara sua opinião de que as corporações são como pessoas, com todos os direitos que as pessoas têm. Elas têm o direito à liberdade de expressão, o que no caso delas significa gastar muito dinheiro para usar o processo político para seus fins. Têm direito a crenças religiosas, incluindo aquelas que as fazem negar benefícios aos seus trabalhadores. A seguir, o direito de portar armas?

Há, no entanto, uma grande diferença entre as pessoas corporativas e pessoas como eu e você: seguindo as tendências atuais, estamos caminhando para um mundo em que só as pessoas humanas pagam impostos.

Nós ainda não chegamos a esse ponto: o governo federal ainda recebe um décimo de sua receita de impostos sobre os lucros das empresas. Mas costumava ganhar muito mais --um terço da receita vinha dos impostos sobre lucros no início dos anos 1950, um quarto ou mais até 1960. Parte do declínio desde então reflete uma queda nos impostos, mas principalmente uma evasão fiscal corporativa cada vez mais agressiva –algo que os políticos pouco fizeram para impedir.

O que nos leva à estratégia de evasão fiscal da moda, a “inversão”. O termo se refere a uma manobra legal em que a empresa declara que suas operações nos EUA são de propriedade de sua subsidiária no exterior, e não o contrário, e usa essa inversão de papéis para transferir os lucros registrados para fora da jurisdição americana, para algum lugar com uma taxa de imposto mais baixa.

A coisa mais importante a entender sobre o processo de inversão é que ele não envolve uma mudança significativa das empresas americanas para o exterior. Considere o caso da Walgreen, a rede de drogarias gigante que, de acordo com diversas reportagens, está à beira de tornar-se legalmente suíça. Se o plano der certo, nada vai mudar no negócio em si; sua farmácia local não vai fechar e reabrir em Zurique. Será uma transação puramente no papel --mas vai privar o governo dos EUA de vários bilhões de dólares em receitas que você, contribuinte, terá de recompor, de uma forma ou de outra.

Isso quer dizer que o presidente Barack Obama está errado em descrever as empresas envolvidas na inversão como “desertoras corporativas”? De fato, não. Elas estão se esquivando de seu dever cívico, não importa se estão literalmente se mudando para o exterior ou não. Mas os apologistas da inversão, que alegam que os altos impostos estão empurrando as empresas para fora dos Estados Unidos, na verdade estão falando bobagem. Essas empresas não estão mudando sua produção ou seus empregos para o exterior e ainda estão obtendo seus lucros aqui nos EUA. Tudo o que estão fazendo é esquivando-se dos impostos sobre esses lucros.

E o Congresso poderia acabar com essa evasão de impostos –afinal, é ilegal uma empresa afirmar que seu domicílio legal fica em um lugar onde ela tem pouco negócio real. Assim, uma restrição dos critérios para uma empresa se declarar não americana poderia bloquear muitas das inversões atuais. Então, há alguma razão para não deter essa perda gratuita das receitas? Não.

Os opositores da repressão à inversão tipicamente argumentam que, em vez de fechar as brechas, devemos reformar todo o sistema de tributação de lucros, talvez até acabar com esse tipo de tributo. Eles também argumentam que tributar os lucros das empresas prejudica o investimento e a criação de empregos. Mas esses argumentos são muito fracos contra o fim da prática de inversão.

Primeiro de tudo, há algumas boas razões para tributar os lucros. Em geral, os impostos nos EUA privilegiam a renda de capital aos rendimentos auferidos a partir de salários; o imposto corporativo ajuda a corrigir esse desequilíbrio. Poderíamos, em princípio, manter o nível dos impostos sobre os rendimentos de capital se compensássemos os cortes nos impostos corporativos com impostos substancialmente mais elevados sobre ganhos de capital e dividendos --mas essa seria uma solução imperfeita e, de qualquer forma, no estado atual da nossa política, isso só não vai acontecer.

Além disso, o fim da tributação de lucros iria aumentar consideravelmente o poder dos executivos das empresas. Será que realmente queremos isso?

Quanto à reforma do sistema: sim, seria uma boa ideia. Mas a defesa de uma eventual reforma basicamente não tem nada a ver com a questão da brecha da inversão. Afinal de contas, há grandes debates sobre o formato da reforma, debates que levariam anos, mesmo que não tivéssemos um partido republicano que metodicamente se opõe a qualquer coisa que o presidente proponha, mesmo que seja algo que os republicanos defendiam anos atrás. Por que deixar as corporações evitarem o pagamento de seu quinhão por anos, enquanto esperamos que o impasse se resolva?

Finalmente, nada disso tem nada a ver com o investimento e a criação de empregos. Se e quando a Walgreen mudar sua “cidadania”, ela vai poder reter mais de seus lucros, mas não terá qualquer incentivo para investir esses lucros extras em suas operações nos EUA.

Portanto, isso deveria ser fácil. Sim, tenhamos um debate sobre como e quanto taxar os lucros.  Mas, enquanto isso, fechemos essa brecha ultrajante.