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Por que as guerras acontecem?

Paul Krugman

19/08/2014 00h02

Um século se passou desde o início da Primeira Guerra Mundial, que muitas pessoas declararam na época ter sido "a guerra para acabar com todas as guerras". Infelizmente, as guerras continuam acontecendo. E com as manchetes da Ucrânia ficando mais assustadoras a cada dia, este parece ser um bom momento para perguntar por quê?

Houve um tempo em que as guerras eram travadas por diversão e lucro; quando Roma tomou a Ásia Menor ou a Espanha conquistou o Peru, o interesse era por ouro e prata. E esse tipo de coisa ainda acontece. Em uma pesquisa influente patrocinada pelo Banco Mundial, Paul Collier, um economista de Oxford, mostrou que o melhor indicador de guerra civil, que é comum demais em países pobres. é a disponibilidade de recursos saqueáveis como diamantes. Sejam quais forem as outras razões citadas pelos rebeldes para suas ações, elas parecem ser apenas racionalizações após o fato. A guerra no mundo pré-industrial foi e ainda é mais como uma disputa entre famílias do crime sobre quem controla a extorsão, não uma luta por princípios.

Mas se você for um país rico, moderno, a guerra –mesmo uma guerra fácil, vitoriosa– não vale a pena. E tem sido assim há muito tempo. Em seu famoso livro de 1910, "A Grande Ilusão", o jornalista britânico Norman Angell argumentou que "o poder militar é social e economicamente fútil". Como ele apontou, em um mundo interdependente (que já existia na época dos navios a vapor, estradas de ferro e telégrafo), a guerra necessariamente infligiria um dano econômico severo até mesmo ao vitorioso. Além disso, é muito difícil extrair ovos de ouro de economias sofisticadas sem matar a galinha no processo.

Nós poderíamos acrescentar que a guerra moderna é muito, muito cara. Por exemplo, segundo qualquer estimativa, os custos eventuais (incluindo coisas como o atendimento aos veteranos) da Guerra no Iraque acabarão ultrapassando US$ 1 trilhão, isto é, muitas vezes todo o PIB do Iraque.

Logo, a tese de "A Grande Ilusão" estava certa: as nações modernas não podem se enriquecer travando guerras. Mas as guerras continuam acontecendo. Por quê?

Uma resposta é que os líderes podem não entender aritmética. Angell, a propósito, costuma ser criticado injustamente por pessoas que acham que ele estava prevendo o fim das guerras. Na verdade, o propósito de seu livro era desacreditar as noções atávicas de riqueza por meio da conquista, que ainda eram disseminadas na sua época. E as ilusões de ganhos fáceis ainda acontecem. É apenas um palpite, mas parece provável que Vladimir Putin achou que poderia derrubar o governo da Ucrânia, ou pelo menos tomar uma grande parte de seu território, a um baixo custo –um pouco de ajuda aos rebeldes, que pudesse negar, e o território cairia no seu colo.

A propósito, lembra de quando o governo Bush previu que a derrubada de Saddam Hussein e a instalação de um novo governo custaria apenas US$ 50 bilhões ou US$ 60 bilhões?

O problema maior, entretanto, é que os governos com frequência demais ganham politicamente com a guerra, mesmo se a guerra em questão não fizer nenhum sentido em termos de interesses nacionais.

Recentemente, Justin Fox, da "Harvard Business Review", sugeriu que as raízes da crise da Ucrânia podem estar no desempenho ruim da economia russa. Como ele notou, a permanência de Putin no poder reflete em parte um período longo de rápido crescimento econômico. Mas o crescimento russo tem engasgado –e alguém poderia argumentar que o regime de Putin precisava de uma distração.

Argumentos semelhantes foram feitos a respeito de outras guerras que fora isso parecem sem sentido, como a invasão da Argentina às Ilhas Malvinas em 1982, que costuma ser atribuída ao desejo do governo então militar em distrair a população de uma crise econômica. (Para ser justo, alguns acadêmicos criticam fortemente essa alegação.)

E os países quase sempre apoiam seus líderes em tempos de guerra, independente de quão tola seja a guerra ou quão ruins sejam os líderes. O governo militar argentino se tornou extremamente popular por um breve período durante a Guerra das Malvinas. Por um tempo, a "guerra ao terror" elevou a aprovação do presidente George W. Bush a alturas vertiginosas, e o Iraque provavelmente fez com que ele vencesse a eleição de 2004. Para comprovar, os índices de aprovação de Putin subiram desde o início da crise na Ucrânia.

Sem dúvida, é um simplificação exagerada dizer que o confronto na Ucrânia trata-se de uma forma de escorar um regime autoritário que está tropeçando em outras frentes. Mas é claro que há alguma verdade nessa história –e isso levanta algumas perspectivas assustadoras para o futuro.

Imediatamente, nós temos que nos preocupar com a escalada na Ucrânia. Uma guerra plena seria altamente contra os interesses da Rússia –mas Putin pode sentir que deixar a rebelião fracassar seria uma perda de prestígio inaceitável.

E se regimes autoritários sem profunda legitimidade se sentirem tentados a guerrear quando não puderem mais proporcionar um bom desempenho, pense nos incentivos que os governantes chineses teriam se e quando os milagres econômicos no país chegarem ao fim –algo que muitos economistas acreditam que acontecerá em breve.

Começar uma guerra é uma ideia muito ruim. Mas elas continuam acontecendo assim mesmo.