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'Falcões da inflação' dão falsos alardes e não aprendem com os erros

Paul Krugman

23/08/2014 00h01

De acordo com uma reportagem recente no “The Times”, há discordâncias no Fed [Banco Central dos EUA]: “Uma minoria cada vez mais ativa de membros do Federal Reserve quer que o banco central retire mais rapidamente” suas políticas de dinheiro fácil, que, segundo advertem, podem provocar inflação. E esse debate provavelmente dominará o grande simpósio econômico em andamento em Jackson Hole, Wyoming.

Pode muito bem ser esse o caso. Mas há algo que você deve saber: que a tal “minoria” vem alertando sobre a alta da inflação mais ou menos sem parar há seis anos. Para mim, a persistência dessa obsessão parece ser uma história mais interessante e importante do que o fato de os mesmos estarem dizendo as mesmas coisas.

Antes de eu tentar explicar a obsessão com a inflação, vamos falar de como é impressionante essa obsessão.

O artigo do “Times” faz menção especial a Charles Plosser, do Fed da Filadélfia, que de fato vem alertando sobre os riscos de inflação. Mas você deve saber que ele advertiu sobre o perigo do aumento da inflação em 2008. E alertou sobre isso em 2009. E fez o mesmo em 2010, 2011, 2012 e 2013. Todas as vezes ele estava errado, mas, destemido, está repetindo a façanha.

E esse histórico não é incomum. Com poucas exceções, autoridades e economistas que emitiram advertências sobre a inflação anos atrás estão emitindo as mesmas advertências quase idênticas hoje. Narayana Kocherlakota, presidente do Fed de Minneapolis, é a única exceção de destaque que eu consigo lembrar.

Agora, qualquer um que está no ramo da economia por um período de tempo, eu muito incluído, já fez algumas previsões incorretas. Se não for o seu caso, você está fazendo um jogo seguro demais. Os falcões da inflação, no entanto, não mostram nenhum sinal de aprender com os seus erros. Onde está a autoanálise, a tentativa de entender por que erraram tanto?

O ponto é que, quando você vê as pessoas se agarrando a uma visão de mundo mesmo diante de provas em contrário, quando elas não conseguem reconsiderar suas crenças, apesar de repetidas falhas de previsão, você tem que suspeitar que há segundas intenções envolvidas. Portanto, a questão interessante é: o que é tão atraente em ficar gritando “inflação” que faz com que as pessoas continuem fazendo isso, apesar de terem errado repetidamente?

Bem, quando os mitos econômicos persistem, a explicação geralmente encontra-se na política --e, em particular, nos interesses de classe. Não há a menor evidência de que o corte nas taxas de impostos sobre os ricos estimula a economia, mas não há nenhum mistério no porquê líderes republicanos como o deputado Paul Ryan continuam alegando que impostos mais baixos sobre os ricos são o segredo para o crescimento.

Da mesma forma, as alegações de que enfrentamos uma crise fiscal iminente, que os EUA vão se transformar em Grécia a qualquer momento, servem a um propósito útil para aqueles que procuram desmantelar os programas sociais.

À primeira vista, as afirmativas de que o dinheiro fácil vai causar um desastre, mesmo em uma economia deprimida, parecem ser um caso diferente, porque aqui os interesses de classe são muito menos claros. Sim, baixas taxas de juros significam baixos retornos de longo prazo para os detentores de bônus (que geralmente são ricos), mas também significam ganhos de capital de curto prazo para esses mesmos detentores de bônus.

Mas enquanto o dinheiro fácil pode, em princípio, ter efeitos mistos sobre as fortunas dos ricos, na prática, as demandas por menos dinheiro na praça apesar do elevado desemprego sempre vêm da direita. Oito décadas atrás, Friedrich Hayek advertiu contra qualquer tentativa de mitigar a Grande Depressão pela “criação de condições artificiais de demanda”; há três anos, Ryan praticamente acusou Ben Bernanke, presidente do Fed na época, de buscar “rebaixar” o dólar. A obsessão com a inflação está tão intimamente associada com políticas conservadoras quanto as demandas por menores impostos sobre ganhos de capital.

A razão para isso não é tão clara. Mas a fé na incapacidade do governo de fazer qualquer coisa positiva é um princípio central do credo conservador. Admitir uma exceção no caso da política monetária --“O governo é sempre o problema, não a solução, a menos que nós estejamos falando do corte das taxas de juros do Fed para combater o desemprego”-- pode ser uma distinção sutil demais para traçar em uma época em que os políticos republicanos tiram suas ideias econômicas de romances de Ayn Rand.

O que me traz de volta ao Fed e à questão de quando suspender as políticas de dinheiro fácil.

Até mesmo pombas monetárias como Janet Yellen, presidente do Fed, geralmente reconhecem que haverá um momento para tirar o pé do acelerador. E que talvez esse momento não esteja distante --o desemprego oficial caiu drasticamente, embora os salários ainda estejam estagnados e a inflação ainda esteja branda.

Mas as últimas pessoas a quem você quer perguntar sobre a política adequada são aquelas que vêm alertando sobre a inflação ano após ano. Não apenas porque têm estado consistentemente erradas, mas também porque demarcaram uma posição que, conscientemente ou não, é essencialmente política e não tem base em análises. Elas devem ser ouvidas educadamente --boas maneiras são sempre uma virtude--, e então ignoradas.