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A política monetária dos EUA tornou-se partidária

Paul Krugman

06/09/2014 00h01

O que é que faz uma poderosa facção em nosso corpo político exigir que o dinheiro seja apertado, mesmo quando nossa economia está deprimida e com baixa inflação?

Na quinta-feira (4), o Banco Central Europeu anunciou uma série de novas medidas em um esforço para impulsionar a economia da Europa. Havia um cheiro de desespero no ar, o que foi reconfortante. A Europa, que está pior do que na década de 1930, está claramente presa no redemoinho da deflação, e é bom saber que o banco central entende isso.

Mas a sua epifania pode ter chegado tarde demais. Não está nada claro se as medidas que está tomando agora serão fortes o suficiente para reverter a espiral descendente.

E é para lá que estaríamos indo, não fosse pela graça de Bernanke. As coisas nos Estados Unidos estão longe de OK, mas parece (pelo menos por agora) que o país evitou o tipo de armadilha que a Europa enfrenta. Por quê? Uma resposta é que o Fed começou a fazer a coisa certa anos atrás, comprando trilhões de dólares em títulos, a fim de evitar a situação que seus colegas na Europa enfrentam hoje.

Você pode argumentar, e eu também argumentaria, que o Fed deveria ter feito mais. O problema é que as autoridades do Fed enfrentaram ataques ferozes por todo o caminho. Especialistas, políticos e plutocratas não param de acusá-las de “depreciarem” o dólar, advertindo que a inflação galopante está logo ali.

O aumento da inflação nunca chegou, mas apesar de estarem errados ano após ano, quase nenhum dos críticos admitiram o erro, nem mesmo mudaram de tom. E a pergunta que eu venho me fazendo é: por quê? O que é que faz uma poderosa facção de nosso corpo político --o eleitorado da deflação-- exigir dinheiro apertado, mesmo em uma economia deprimida de baixa inflação?

Uma coisa está clara: como tantas outras coisas nos dias de hoje, a política monetária tornou-se muito mais uma questão partidária. O discurso do rebaixamento do dólar vem quase que exclusivamente da direita. E a paranoia com a inflação, de uma forma notável, tornou-se uma questão de correção política conservadora, de modo que até mesmo os economistas que deveriam ter maior clareza se juntaram ao coro. Assim, podemos propor uma questão ainda mais focada: por que as pessoas à direita odeiam a expansão monetária, mesmo quando ela é desesperadamente necessária?

Uma resposta é o poder da “truthiness” --termo famoso cunhado por Stephen Colbert para as coisas que não são verdade, mas parecem verdadeiras para algumas pessoas.

“O Fed está imprimindo dinheiro, imprimir dinheiro leva à inflação, e a inflação é sempre uma coisa ruim.”

Essa é uma declaração triplamente falsa, mas parece verdadeira para um monte de gente. E, sim, há uma tendência dentro do conservadorismo político em preferir essas inverdades às verdades complicadas, e esta tendência é especialmente forte em uma época em que líderes políticos obtêm a sua teoria monetária dos romances de Ayn Rand.

Outra resposta são os interesses de classe. A inflação ajuda os devedores e prejudica os credores; a deflação faz o inverso. E os ricos são muito mais propensos a estarem do lado credor e a terem dinheiro no banco e títulos na carteira do que os trabalhadores e os pobres, em vez de hipotecas e saldos de cartões de crédito.

Nos anos dourados, a elite se mobilizou para derrotar William Jennings Bryan, que ameaçou tirar os Estados Unidos do padrão-ouro; os gastos de campanha em percentagem do PIB foram muito maiores em 1896 do que em qualquer eleição presidencial em qualquer tempo. Estariam os ricos igualmente mobilizados contra as atuais políticas de dinheiro fácil?

Até onde eu sei, não temos provas rigorosas disso. Há certamente um monte de investidores ricos na multidão que reclamam da depreciação do dólar, mas não sabemos ao certo se são representativos --você pode argumentar que os grandes investidores deveriam gostar das políticas expansionistas do Fed, que têm sido muito boas para o mercado de ações. Mas talvez os ricos não acreditem nesta conexão, em parte, porque os inflacionários anos 70 foram muito ruins para as ações. E nós sabemos que os muito ricos, muito mais do que o público em geral, consideram os deficits orçamentários nosso maior problema, mesmo que a austeridade fiscal provavelmente seja ruim para os lucros. Assim, os interesses de classe provavelmente também são uma motivação fundamental para o povo da deflação.

Uma observação: os ricos da Europa não são tão ricos ou influentes quanto os seus homólogos norte-americanos, mas os interesses dos credores são ainda mais poderosos do que aqui, porque os países credores, a Alemanha, em particular, acabaram ditando a política para a Europa toda.

E a coisa importante a entender é que o domínio dos interesses dos credores em ambos os lados do Atlântico, baseado em doutrinas econômicas falsas, mas visceralmente atraentes, tem tido consequências trágicas. Nossas economias têm sido arrastadas pelas dificuldades dos endividados, que foram forçados a cortar gastos.

Para evitar uma recessão profunda e prolongada, precisávamos de políticas para compensar esse peso. O que tivemos em vez disso foi uma obsessão com os males de deficits orçamentários e uma paranoia com a inflação --e uma recessão duradoura.