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É preciso repensar a economia após uma crise desastrosa

16/09/2014 00h01

Na semana passada, eu participei de uma conferência organizada pela Rethinking Economics, um grupo dirigido por estudantes na esperança de promover, como seu nome diz, um repensar da economia. E Mamon sabe que a economia precisa ser repensada após uma crise desastrosa, uma crise que não foi nem prevista ou prevenida.

Mas me parece que é importante perceber que o enorme fracasso intelectual dos últimos anos ocorreu em vários níveis. Claramente, a economia como disciplina se perdeu terrivelmente nos anos --na verdade décadas-- que antecederam a crise. Mas os fracassos da economia foram muito agravados pelos pecados dos economistas, que com muita frequência deixaram o partidarismo e o engrandecimento pessoal passarem por cima de seu profissionalismo. Por último, os autores de políticas econômicas optaram sistematicamente em ouvir apenas o que queriam ouvir. E é esse fracasso em múltiplos níveis --não apenas a inadequação da economia-- que é responsável pelo desempenho terrível das economias ocidentais desde 2008.

Em que sentido a economia se perdeu? Quase ninguém previu a crise de 2008, mas isso por si só poderia ser desculpável em um mundo complicado. Mais condenatória foi a crença disseminada entre os economistas de que uma crise dessas não poderia acontecer. Por trás dessa complacência estava o domínio de uma visão idealizada do capitalismo, na qual os indivíduos são sempre racionais e os mercados sempre funcionam perfeitamente.

Bem, os modelos idealizados têm um papel útil a exercer na economia (de fato, em qualquer disciplina), como forma de esclarecer seu pensamento. Mas a partir dos anos 80, ficou cada vez mais difícil publicar qualquer coisa que questionasse esses modelos idealizados nas principais publicações. Os economistas que tentavam  levar em consideração a realidade imperfeita enfrentavam o que Kenneth Rogoff, da universidade de Harvard, longe de ser uma figura radical (e alguém com quem já briguei), já chamou de "nova repressão neoclássica". E não é preciso dizer que ignorar a irracionalidade e o fracasso do mercado significava desconsiderar a possibilidade do tipo de catástrofe que ocorreu no mundo desenvolvido há seis anos.

Ainda assim, muitos economistas aplicados mantiveram uma visão mais realista de mundo, e a teoria macroeconômica, apesar de não ter previsto a crise, fez um bom trabalho em prever como as coisas se desdobrariam no seu encalço. As taxas de juros baixas apesar dos grandes déficits orçamentários, a inflação baixa apesar do rápido aumento da oferta de dinheiro e a forte contração econômica nos países que impuseram austeridade fiscal foram surpresas para comentaristas na TV, mas eram o que os modelos básicos previam sob as condições existentes pós-crise.

Mas apesar dos modelos econômicos não terem se saído nada mal depois da crise, o mesmo não pode ser dito de economistas muito influentes --recusando-se a reconhecer um erro, deixando um partidarismo explícito passar por cima da análise ou ambos. "Ei, eu aleguei que outra depressão não era possível, mas eu estava errado, tudo porque as empresas estão reagindo ao futuro fracasso da reforma da saúde de Obama."

Poderia ser dito que trata-se apenas da natureza humana, e é verdade que apesar de grande parte da chocante prevaricação intelectual ter vindo dos economistas conservadores, alguns economistas na esquerda também pareciam mais interessados em defender seu campo e atacarem rivais de profissão do que entenderem as coisas de forma acertada. Mesmo assim, esse comportamento ruim foi um choque, especialmente para aqueles que achavam que estávamos tendo uma conversa real.

Mas teria importado se os economistas tivessem se comportado melhor? Ou as pessoas no poder teriam feito a mesma coisa independente disso?

Se você imagina que os autores de políticas passaram os últimos cinco ou seis anos submissos à ortodoxia econômica, você foi enganado. Pelo contrário, tomadores de decisão críticos estavam altamente receptivos a ideias econômicas heterodoxas e inovadoras --ideias que também estavam erradas, mas que ofereciam desculpas para que esses tomadores de decisão fizessem o que de fato queriam fazer.

A grande maioria dos economistas voltados para política acredita que um aumento dos gastos pelo governo em uma economia deprimida cria empregos, e que a redução dos gastos destrói empregos. Mas os líderes europeus e os republicanos americanos decidiram acreditar no punhado de economistas afirmando o oposto. Nem a teoria e nem a história justificavam o pânico com os níveis atuais de endividamento dos governos, mas os políticos mesmo assim decidiram entrar em pânico, citando pesquisa não comprovada (e que revelou ser falha) como justificativa.

Eu não estou dizendo que a economia está em boa forma ou que suas falhas não importam. Ela não está, elas importam e sou totalmente a favor de um repensar e de uma reforma no campo.

Entretanto, o grande problema com a política econômica não é que a economia convencional não nos diga o que fazer. Na verdade, o mundo estaria em uma situação muito melhor do que está se as políticas de mundo real tivessem refletido as lições da teoria econômica básica. Se estragamos tudo --e o fizemos-- culpa não está em nossos livros, mas em nós mesmos.