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Queda de executivo da Pimco é 'síndrome da negação da depressão'

Paul Krugman

04/10/2014 00h01

Na semana passada, Bill Gross, conhecido como rei dos bônus, deixou abruptamente a empresa de investimento que gerenciou por décadas, a Pimco. As pessoas que acompanham o setor financeiro ficaram chocadas, mas não exatamente surpresas, pois os relatos de problemas internos da Pimco já estavam em todos os jornais. Mas por que você deveria se importar?

A resposta é que a queda de Gross é um sintoma de uma doença que continua a afligir os principais tomadores de decisão, públicos e privados. Vamos chamar de síndrome da negação da depressão: a recusa em reconhecer que as regras são diferentes em uma economia persistentemente deprimida.

Gross com certeza é um homem com um ego muito grande e uma pessoa com quem é difícil de trabalhar. Essa descrição, no entanto, cabe a vários agentes financeiros, e até os conflitos de personalidade mais escabrosos não teriam importância se a Pimco continuasse bem. Mas isso não aconteceu, em grande parte graças a uma avaliação espetacularmente ruim de Gross em 2011, que continua a assombrar a empresa. E aqui está o problema: muitas outras pessoas influentes fizeram a mesma aposta ruim --e ainda estão fazendo isso, repetidamente.

A história de fato começa anos antes, quando estourou uma imensa bolha imobiliária. Os gastos com novas casas desabaram, e os gastos com consumo também foram atingidos, na medida em que as famílias que haviam contraído empréstimos pesados para comprar casas viram o valor dessas casas mergulhar. As empresas também cortaram os gastos. Por que adicionar capacidade diante da fraca demanda dos consumidores?

O resultado foi uma economia em que todos queriam poupar mais e investir menos. Como todos não podem fazer isso ao mesmo tempo, algo mais tinha que acontecer --e, de fato, duas coisas aconteceram. Em primeiro lugar, a economia entrou em recessão, da qual não se recuperou totalmente. Em segundo lugar, o governo entrou em deficit, pois a crise econômica causou uma forte queda na receita e um aumento em alguns tipos de gastos, como vale-refeição e seguro-desemprego.

Normalmente, nós pensamos no deficit como uma coisa ruim: os empréstimos do governo competem com os empréstimos privados, elevando as taxas de juros, prejudicando o investimento e, possivelmente, preparando o palco para uma inflação mais elevada. Mas, desde 2008, no jargão da economia, estamos presos em uma armadilha de liquidez, que é basicamente uma situação na qual a economia está inundada de poupança sem nenhum lugar para ir. Nesta situação, o endividamento público não compete com a demanda privada porque o setor privado não quer gastar. E como não há competição com o setor privado, os deficits não necessariamente levam a um aumento das taxas de juros.

Tudo isso pode parecer estranho e contraditório, mas é o que diz a análise macroeconômica básica. E isso tampouco é algo que se vê apenas em retrospectiva. Em 2008-09, uma série de economistas --sim, eu incluído-- tentaram explicar as circunstâncias especiais de uma economia deprimida, em que os deficits não causariam taxas crescentes e em que a política do Federal Reserve de “imprimir dinheiro” (não é realmente o que estava fazendo, mas não importa) não causaria inflação. Não era apenas teoria; nós tínhamos as experiências da década de 30 e do Japão desde os anos 1990. Mas muitas pessoas influentes, talvez a maioria, no tal mundo real recusaram-se a acreditar em nós.

O que me leva de volta a Gross.

Por um tempo, a Pimco, onde Paul McCulley, diretor na época, foi uma das principais vozes explicando a lógica da armadilha da liquidez, parecia admiravelmente calma em relação aos deficits e se saiu muito bem, como resultado. No final de 2009, muitos analistas de Wall Street advertiram sobre a iminência de um aumento nos custos de empréstimos norte-americanos; o Morgan Stanley previu que a taxa de juros dos títulos de dez anos iria subir para 5,5% em 2010. Mas a Pimco apostou, corretamente, que as taxas ficariam baixas.

Então, algo mudou. McCulley deixou a Pimco no final de 2010 (e recentemente voltou como economista-chefe) e Gross entrou para a histeria do deficit, declarando que as taxas baixas de juros estavam “roubando” dos investidores, e vendeu todos os seus títulos da dívida norte-americana. Em particular, ele previu um aumento nas taxas de juros quando o FED encerrou um programa de compra de dívida em junho de 2011. Ele estava completamente errado, e nem ele nem a Pimco se recuperaram.

Portanto, podemos dizer que essa é uma história edificante na qual as ideias ruins se provaram erradas por experiência, os olhos das pessoas se abriram e a verdade prevaleceu? Desculpe, não. Na verdade, é muito difícil encontrar exemplos de pessoas que mudaram de ideia. As pessoas que previam a alta da inflação e taxas de juros galopantes há cinco anos ainda estão prevendo a alta da inflação e as taxas de juros galopantes hoje, rejeitando vigorosamente qualquer sugestão de que deveriam reconsiderar seus pontos de vista, à luz da experiência.

E é isso que torna a história de Bill Gross interessante. Ele é praticamente o único grande histérico do deficit a pagar um preço por entender tudo errado (mesmo que ele continue, é claro, imensamente rico). A Pimco sofreu um golpe, mas, em toda parte, o reino de erro continua imperturbável.