Topo

Americanos não festejam queda do déficit porque não sabem que ela aconteceu

11/10/2014 00h01

E se o orçamento fosse equilibrado e ninguém soubesse ou se importasse? OK, o orçamento federal, na verdade, não foi equilibrado. Mas a Comissão de Orçamento do Congresso já terminou os cálculos para o ano fiscal de 2014, que foi até o final de setembro, e informou que o mergulho do déficit dos últimos anos continua. Você ainda ouve os políticos reclamando dos “déficits de trilhões de dólares”, mas o déficit do ano passado foi de menos de meio trilhão de dólares -ou, um número mais significativo, apenas 2,8% do PIB- e ainda está caindo.

Então, onde estão as paradas festivas? E mais, onde estão as notícias de primeira página? Afinal, os discursos sobre os males do déficit fiscal e dos graves perigos que os EUA enfrentam dominaram Washington por anos. Não deveríamos estar celebrando o fato de que a suposta crise acabou?

Bem, não estamos, e quando você entender o porquê, você também entenderá os verdadeiros motivos da histeria fiscal.

Em primeiro lugar, os americanos comuns não estão comemorando a queda do déficit porque eles não sabem que ela aconteceu.

Isso não é mera especulação da minha parte. No início deste ano, o YouGov entrevistou americanos sobre questões fiscais, perguntando, entre outras coisas, se o déficit havia aumentado ou diminuído desde que o presidente Barack Obama tomou posse. (Caso você esteja se perguntando, os pesquisadores explicaram cuidadosamente a diferença entre déficit anual e o nível de endividamento acumulado.) Mais da metade dos entrevistados disse que tinha subido, enquanto apenas 19% disseram corretamente que tinha caído.

Por que o público não sabe? Provavelmente por causa da forma como grande parte da mídia divulga esta e outras questões, exagerando as más notícias e minimizando as boas, ou esquecendo-as por completo.

Isso ficou muito óbvio no caso da reforma da saúde, onde todos os problemas da Lei de Reforma da Saúde têm sido alvo de manchetes, enquanto na mídia de direita –e, até certo ponto, na mídia em geral- os bons resultados passaram despercebidos. Assim, muitas pessoas -até mesmo os liberais, na minha experiência - têm a impressão de que a implantação de Obamacare tem sido um desastre e não têm ideia de que o número de inscritos está acima das expectativas, os custos são mais baixos do que o esperado e o número de americanos sem seguro caiu drasticamente. Certamente, algo semelhante aconteceu no déficit orçamental.

Mas o que dizer de pessoas que prestam muita atenção ao orçamento, os chamados falcões do déficit? (Alguns preferem chamá-los de rabugentos do déficit.) Eles passaram os últimos anos dizendo que os déficits orçamentários são a questão mais importante para a nação, que coisas terríveis acontecerão se não agirmos para conter a sangria. Eles estão expressando satisfação com o desaparecimento dessa ameaça?

De forma alguma. Longe de celebrar o declínio do déficit, os suspeitos de sempre –os centros de estudo dos rabugentos do déficit, os especialistas em governo- parecem irritados com a notícia. É uma “falsa vitória”, declaram. “Os trilhões de dólares em déficits estão voltando”, advertem. E eles estão furiosos com Obama por dizer que é hora de superar a “austeridade sem sentido” e as “crises manufaturadas”. Ele está declarando a missão cumprida quando deveria estar fazendo outro esforço para promover cortes na previdência, reclamam.

Tudo isso demonstra uma verdade evidente há um tempo, para quem presta atenção: os rabujentos do déficit realmente amam os déficits orçamentários e odeiam quando caem. Por quê? Por que os temores de uma crise fiscal -temores que eles alimentam constantemente- são sua melhor esperança de conseguir o que realmente desejam: grandes cortes nos programas sociais. Há alguns anos, eles quase conseguiram intimidar a nação para que cortasse a Segurança Social ou aumentasse a idade para ingresso no Medicare; eles ainda tinham a esperança de transformar o Medicare em um programa pobre e mal financiado. Agora essa janela de oportunidade está se fechando rapidamente.

Mas a queda do déficit não é apenas um ponto fora da curva, e as perspectivas de longo prazo não estão terríveis como sempre? Na verdade, não. A queda do déficit agora tem muito a ver com um fortalecimento da economia e parte daquela “austeridade sem sentido” que o presidente condenou. Mas também houve uma desaceleração drástica no crescimento dos gastos com saúde -e se isto continuar, a perspectiva fiscal de longo prazo é muito melhor do que qualquer um pensava ser possível. Sim, as projeções atuais ainda mostram uma proporção crescente da dívida em relação ao PIB daqui a alguns anos, e níveis desconfortáveis de dívida daqui a uma geração. Mas diante de todos os perigos claros e presentes que enfrentamos, é difícil ver por que essa perspectiva distante e incerta deve ter prioridade política.

Então, vamos dizer adeus à histeria fiscal. Eu sei que os rabugentos do déficit estão com dificuldades em se desapegarem do tema; eles ainda estão tentando trazer de volta os dias em que Bowles e Simpson dominaram a política de Washington como verdadeiros colossos. Mas esses tempos não estão voltando, e devemos estar contentes.