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A virtude está matando a economia mundial

14/10/2014 00h01

Diga-me se você já ouviu isso antes: a economia mundial parece estar tropeçando. Por um tempo, as coisas pareciam estar melhorando, e havia notas de recuperação. Mas agora o crescimento está parado, e o espectro da deflação está rondando.

Se esta história soa familiar, deveria; ela vem ocorrendo repetidamente desde 2008. Como nos episódios anteriores, as piores notícias vêm da Europa, mas desta vez também há um claro arrefecimento dos mercados emergentes --e há até sinais nos Estados Unidos, apesar do bom crescimento do emprego no momento.

Por que isso continua acontecendo? Afinal de contas, os eventos que levaram à Grande Recessão --a crise imobiliária, a crise bancária-- ocorreram há muito tempo. Por que não conseguimos escapar desse legado?

A resposta encontra-se em uma série de erros na estratégia política: a adoção da austeridade quando as economias precisavam de estímulo, a paranoia com a inflação quando o risco real era a deflação, e assim por diante. Mas por que os governos continuam a fazer estes erros? E por que continuam cometendo os mesmos erros, ano após ano?

A minha sugestão é que a resposta é o excesso de virtude. A virtude está matando a economia mundial.

Afinal, qual é o nosso problema econômico fundamental? Uma descrição simplificada, mas em grande parte correta do que deu errado é esta: nos anos que antecederam a Grande Recessão, tivemos uma explosão de crédito (principalmente para o setor privado). As velhas noções de prudência, tanto para credores quando para devedores, foram postas de lado; níveis de endividamento que antes eram considerados profundamente insalubres viraram a norma.

Aí a música parou de tocar, e o dinheiro parou de fluir, e todo mundo começou a tentar “desalavancar”, para reduzir o nível de endividamento. Para cada um individualmente, isso era prudente. Mas meus gastos são a sua renda e seus gastos são a minha renda, por isso, quando todos tentam acabar com as dívidas ao mesmo tempo, o resultado é uma economia deprimida.

Então, o que pode ser feito? Historicamente, a solução para altos níveis de endividamento frequentemente envolveu o perdão de grande parte das dívidas. Às vezes isso acontece de forma explícita: na década de 30, Roosevelt ajudou os mutuários a renegociarem suas hipotecas de forma que ficassem muito mais baratas; nesta crise, a Islândia está cancelando uma parte significativa das dívidas incorridas pelas famílias nos anos da bolha. Mais frequentemente, o alívio da dívida ocorre implicitamente, através da “repressão financeira”: o governo adota taxas de juros baixas enquanto a inflação corrói o valor real da dívida.

O que é impressionante sobre os últimos anos, no entanto, é o quão pouco se fez no sentido do alívio das dívidas. Sim, há a Islândia --mas é minúscula. Sim, os credores gregos assumiram um “corte de cabelo” significativo --mas a Grécia ainda é uma pequena parte (e ainda está irremediavelmente endividada). Nas principais economias, muito poucos credores tiveram um descanso. E o peso da dívida, longe de ter sido reduzido com a inflação, agravou-se com a queda da inflação, que está bem abaixo da meta nos EUA e próxima de zero na Europa.

Por que os devedores estão tendo tão pouco refresco? Como eu disse, trata-se de uma questão de virtude --o sentido de que qualquer tipo de perdão da dívida seria uma forma de recompensar o mau comportamento. Nos Estados Unidos, o famoso discurso de Rick Santelli que deu à luz ao Tea Party não foi sobre impostos ou gastos --foi uma denúncia furiosa contra as propostas para ajudar os proprietários de imóveis com problemas. Na Europa, as políticas de austeridade têm sido mais promovidas pela indignação moral da Alemanha diante da noção de que os mutuários irresponsáveis  não enfrentariam as consequências de seus atos do que por análises econômicas.

Portanto, a resposta política para a crise de endividamento excessivo, de fato, tem sido exigir que os devedores paguem as suas dívidas na totalidade. O que a história diz sobre esse tipo de estratégia? Simples: que não funciona. Independentemente do progresso que os devedores façam por meio do sofrimento e da poupança, ele é contrabalançado pela depressão e a deflação. Isto, por exemplo, foi o que aconteceu com o Reino Unido após a Primeira Guerra Mundial, quando tentou pagar a sua dívida com enormes excedentes orçamentais ao retornar ao padrão ouro: apesar de anos de sacrifício, o progresso na redução da proporção da dívida em relação ao PIB foi quase nulo.

E é isso que está acontecendo agora. Um estudo abrangente recente sobre a dívida chama-se “Desalavancagem, qual desalavancagem?”; apesar dos cortes e da austeridade pública, os níveis de dívida estão subindo, graças ao fraco desempenho econômico. E não estamos mais próximos de escapar da armadilha da dívida do que estávamos há cinco anos.

Mas tem sido muito difícil fazer com que a elite política ou o público entendam que, por vezes, o alívio da dívida é do interesse de todos. Em vez disso, a resposta ao fraco desempenho econômico tem sido, essencialmente, que as surras continuarão até que a moral melhore.

Talvez, apenas talvez, uma má notícia --digamos, uma recessão na Alemanha-- finalmente coloque um fim a este reinado destrutivo da virtude. Mas não conte com isso.