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É inaceitável e perturbador o papel que a Amazon desempenha no mercado

Paul Krugman

21/10/2014 00h01

A Amazon.com, a gigante varejista online, tem muito poder e usa esse poder de maneiras que prejudicam os EUA.

OK, eu sei que isso foi um pouco brusco. Mas eu queria expor o ponto central de uma vez, porque muitas vezes as discussões sobre a Amazon tendem a se perder em questões secundárias.


Por exemplo, os críticos da empresa, por vezes, a retratam como um monstro prestes a dominar toda a economia. Tais reivindicações são exageradas, a Amazon não domina as vendas globais online, muito menos o varejo como um todo, e provavelmente nunca dominará. Mas, e daí? A Amazon, ainda assim, está desempenhando um papel perturbador.

Enquanto isso, os defensores da Amazon muitas vezes falam sobre a venda de livros online, que foi de fato uma coisa boa para muitos norte-americanos, ou dão depoimentos sobre o atendimento ao cliente --e caso você esteja se perguntando, sim, eu tenho uma conta Amazon Prime e faço bastante uso dela. Mas, novamente, e daí? A oportunidade de uma nova tecnologia ou mesmo o uso eficaz da tecnologia pela Amazon não é a questão. Afinal, John D. Rockefeller e seus companheiros também foram muito bons no negócio do petróleo, mas a Standard Oil tinha poder demais, e foi essencial uma ação pública para coibir esse poder.

E o mesmo é verdade para a Amazon hoje.

Se você não acompanhou as notícias recentes: em maio, uma disputa entre a Amazon e a grande editora Hachette tornou-se uma guerra comercial aberta. A Amazon vinha exigindo um corte maior no preço dos livros da Hachette; quando a Hachette disse não, a Amazon começou a prejudicar as vendas da editora. Os livros da Hachette não foram banidos do site da Amazon, mas a Amazon começou a atrasar a sua entrega, elevar seus preços e/ou orientar os clientes para outras editoras.

Você pode ser tentado a dizer que são apenas negócios --em nada diferentes da Standard Oil, antes de quebrar, quando recusou-se a enviar petróleo pelas ferrovias que não concederam descontos especiais. Mas este é, naturalmente, o ponto: a era dos barões ladrões terminou quando nós, como nação, decidimos que algumas táticas de negócios estavam fora dos limites. E a questão é se queremos voltar atrás nessa decisão.

A Amazon realmente tem o poder de mercado como os barões ladrões? Quando se trata de livros, definitivamente. A Amazon domina esmagadoramente as vendas de livros online, com uma quota de mercado equivalente ao percentual da Standard Oil no mercado de óleo refinado quando foi cindida em 1911. Mesmo focando nas vendas totais de livros, a Amazon é de longe a maior.

Até agora, a Amazon não tentou explorar os consumidores. Na verdade, ela tem mantido os preços sistematicamente baixos para reforçar a sua posição dominante. O que ela tem feito, em vez disso, é usar o seu poder de mercado para colocar pressão sobre os editores, de fato reduzindo os preços que paga pelos livros --daí a luta com a Hachette. No jargão econômico, a Amazon, pelo menos até agora, não está agindo como um monopolista, ou seja, um vendedor dominante, com o poder de aumentar os preços. Em vez disso, ela está agindo como um monopsonista, um comprador dominante, que tem o poder de empurrar os preços para baixo.

E, nessa frente, seu poder é realmente imenso --na verdade, ainda maior do que os números indicam. As vendas de livros dependem crucialmente do bochicho e do boca a boca (é por isso que os autores são muitas vezes enviados a longas excursões de lançamento). Você compra um livro porque você já ouviu falar dele, porque outras pessoas estão lendo, porque é um tema de conversa, porque entrou para a lista de mais vendidos. E o que a Amazon possui é o poder de matar o bochicho. Sim, é possível, com algum esforço extra, comprar um livro do qual você ouviu falar mesmo que a Amazon não tenha --mas, se a Amazon não tiver, será muito menos provável você ter ouvido falar dele.

Podemos confiar que a Amazon não vai abusar desse poder? A disputa com a Hachette respondeu a essa pergunta: não, não podemos.

Não é apenas uma questão de dinheiro, apesar de ser importante: em última análise, ao pressionar os editores, a Amazon está prejudicando autores e leitores. Mas há também a questão da influência indevida.

Especificamente, a penalidade que a Amazon está impondo sobre os livros da Hachette é ruim em si mesma, mas também há uma seletividade curiosa na maneira em que a penalidade foi aplicada. No mês passado, o blog Bits, do “The Times”, documentou o caso de dois livros da Hachette que estavam recebendo tratamentos muito diferentes. Um deles era o “Sons of Wichita” (em tradução livre, “Filhos de Wichita”), de Daniel Schulman, um perfil dos irmãos Koch; o outro era “The Way Forward” (em tradução livre, “O Caminho Adiante”), de Paul Ryan, que foi companheiro de chapa de Mitt Romney e é presidente do Comitê de Orçamento da Câmara. Ambos podem ser comprados na Amazon Prime. O livro de Ryan conta com a entrega gratuita habitual de dois dias, e o “Sons of Wichita”? “Geralmente é enviado em 2 a 3 semanas”. Oh-oh.

O que nos traz de volta à questão chave. Não me diga que a Amazon está dando aos consumidores o que eles querem ou que ela conquistou sua posição. O que importa é se ela tem poder demais e abusa desse poder. Bem, ela tem e abusa.