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EUA precisam de investimento público, mas não o fazem

Ben Gray/Atlanta Journal/Constitution/Reuters
Imagem: Ben Gray/Atlanta Journal/Constitution/Reuters

Paul Krugman

28/10/2014 00h02

Os Estados Unidos costumavam ser um país que construía para o futuro. Às vezes o governo construía diretamente: os projetos públicos, do Canal de Erie ao Sistema Interestadual de Rodovias, forneciam a base para o crescimento econômico. Às vezes ele fornecia incentivos ao setor privado, como concessões de terras para estimular a construção de ferrovias. De qualquer forma, havia amplo apoio para gastos que nos tornariam mais ricos.

Mas atualmente nós simplesmente não investimos, mesmo quando a necessidade é óbvia e o momento não poderia ser mais oportuno. E não venha me dizer que o problema é uma "disfunção política" ou alguma outra frase evasiva que espalhe a culpa. Nossa inabilidade de investir não reflete algo errado com "Washington"; ela reflete a ideologia destrutiva que tomou conta do Partido Republicano.

Mais de sete anos se passaram desde o estouro da bolha imobiliária e, desde então, os Estados Unidos estão repletos de dinheiro poupado –mais precisamente, poupança desejada– sem ter para onde ir. A tomada de empréstimos para compra de imóveis residenciais se recuperou um pouco, mas permanece baixa. As empresas estão tendo lucros imensos, mas estão relutantes em investir diante do fraco consumo, de modo que estão acumulando dinheiro ou recomprando suas próprias ações. Os bancos contam com quase US$ 2,7 trilhões em reservas excedentárias –fundos que poderiam emprestar, mas optam em vez disso por deixar ociosos.

O desencontro entre poupança desejada e disposição em investir tem mantido a economia deprimida. Lembre-se, seu gasto é a minha renda e meu gasto é sua renda, de modo que se todo mundo tentar gastar menos ao mesmo tempo, a renda de todo mundo cai.

Há uma política óbvia em resposta a essa situação: investimento público. Nós temos necessidades imensas de infraestrutura, especialmente em águas e transportes, e o governo federal pode tomar dinheiro emprestado de forma incrivelmente barata –de fato, as taxas de juros dos títulos protegidos da inflação tem estado negativas durante grande parte do tempo (elas atualmente estão em apenas 0,4%). Assim, tomar empréstimos para construção de estradas, reparo de esgotos e mais parece ser algo óbvio. Mas o que está acontecendo de fato é o contrário. Após uma elevação breve assim que o estímulo de Obama entrou em vigor, o gasto em obras públicas despencou. Por quê?

De uma forma direta, grande parte da queda em investimento público reflete os problemas fiscais dos governos locais e estaduais, que são responsáveis por grande parte do investimento público.

Por lei, esses governos precisam, em geral, manter seus orçamentos equilibrados, mas viram as receitas despencarem e algumas despesas aumentarem na economia deprimida. Assim, eles cancelaram ou adiaram grande parte das construções visando economizar dinheiro.

Mas isso não precisava ter acontecido. O governo federal poderia ter facilmente fornecido ajuda aos Estados para ajudá-los a gastar –na verdade, o projeto de lei de estímulo incluía essa ajuda, que foi o principal motivo para o investimento público ter brevemente aumentado. Mas assim que o Partido Republicano assumiu o controle da Câmara, qualquer chance de mais dinheiro destinado a infraestrutura desapareceu. De vez em quando os republicanos falam em querer gastar mais, mas bloqueiam todas as iniciativas do governo Obama.

E tudo se resume a ideologia, uma hostilidade esmagadora a gastos do governo de qualquer espécie. Essa hostilidade teve início como um ataque aos programas sociais, especialmente aqueles que ajudam os pobres, mas com o passar do tempo expandiu em uma oposição a qualquer tipo de gastos, independente de quão necessários e independente do estado da economia.

É possível ter uma ideia dessa ideologia em ação em alguns dos documentos produzidos pelos republicanos da Câmara sob a liderança de Paul Ryan, o presidente do Comitê Orçamentário. Por exemplo, um manifesto de 2011 intitulado "Gaste Menos, Deva Menos, Cresça a Economia" pedia por grandes cortes de gastos, mesmo diante do desemprego elevado, e rejeitava a noção "keynesiana" de que "diminuir os gastos do governo em infraestrutura diminui o investimento do governo". (Eu achava que isso era apenas aritmética, mas o que sei eu?) Ou veja um editorial do "The Wall Street Journal" do mesmo ano, intitulado "O Grande Má Alocação", afirmando que qualquer dinheiro que o governo gasta desvia recursos do setor privado, que sempre encontraria um melhor uso para esses recursos.

Não importa que os modelos econômicos que apoiam essas afirmações falharam dramaticamente na prática, que as pessoas que dizem essas coisas preveem inflação descontrolada e alta dos juros ano após ano e continuam errando; essas pessoas não são do tipo que reconsideram suas posições diante das evidências. Não importa o ponto óbvio de que o setor privado não fornece e nem fornecerá a maioria dos tipos de infraestrutura, de estradas locais a sistemas de esgoto; essas distinções se perdem em meio aos cantos de 'o setor privado é bom, o governo é mau'.

E o resultado, como eu disse, é que os Estados Unidos deram suas costas à sua própria história. Nós precisamos de investimento público. Em um momento de taxas de juros baixas, nós poderíamos arcar facilmente com isso. Mas não construiremos.