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EUA já foram um país que investia pensando no futuro

Paul Krugman

30/10/2014 00h01

Os EUA costumavam ser um país que fazia obras pensando no futuro. Às vezes, o governo construía diretamente: projetos públicos, desde o Canal Erie até o Sistema Rodoviário Interestadual, forneceram a espinha dorsal para o crescimento econômico. Às vezes, fornecia incentivos para o setor privado, como a concessão de terras para estimular a construção de ferrovias. De qualquer forma, havia um amplo apoio para os gastos que nos tornariam mais ricos.

Hoje em dia, porém, nós simplesmente não investimos, mesmo quando a necessidade é óbvia e o momento não poderia ser melhor. E não me diga que o problema é a “disfunção política” ou alguma outra frase evasiva para distribuir a culpa. Nossa incapacidade de investir não reflete algo de errado com “Washington”; ela reflete a ideologia destrutiva que passou a dominar o Partido Republicano.

Alguns antecedentes: já se passaram mais de sete anos do estouro da bolha da habitação e, desde então, os EUA foram inundados de poupança --ou, mais precisamente, de poupança desejada-- sem nenhum destino. Os empréstimos para comprar casas se recuperaram um pouco, mas continuam baixos. As empresas estão tendo lucros enormes, mas relutam em investir face à fraca demanda dos consumidores, de modo que estão acumulando dinheiro ou comprando de volta suas próprias ações. Os bancos estão segurando quase US$ 2,7 trilhões em reservas excedentes --fundos que poderiam emprestar, mas preferem deixar ociosos.

E o descompasso entre a poupança desejada e a vontade de investir manteve a economia deprimida. Lembre-se, o seu gasto é a minha renda e os meus gastos são a sua renda, por isso, se todo mundo tenta gastar menos ao mesmo tempo, a renda de todo mundo cai.

Há uma resposta política evidente para esta situação: o investimento público. Temos enormes necessidades de infraestrutura, especialmente em água e transporte, e o governo federal pode conceder empréstimos incrivelmente baratos --na verdade, as taxas de juros sobre os bônus protegidos contra a inflação têm sido negativas na maior parte do tempo (atualmente estão em apenas 0,4%).

Assim, parece óbvia a concessão de empréstimos para construir estradas, reparar esgotos etc. Mas o que realmente aconteceu foi o inverso. Depois de subir brevemente após o estímulo de Obama entrar em vigor, a despesa com obras públicas caiu. Por quê?

De forma direta, grande parte da queda do investimento público reflete os problemas fiscais dos governos estaduais e locais, que representam a grande maioria dos investimentos públicos.

Esses governos em geral devem, por lei, equilibrar seus orçamentos, mas viram as receitas mergulharem e algumas despesas subirem em uma economia deprimida. Então, eles atrasaram ou cancelaram uma série de projetos para economizar dinheiro.

No entanto, isso não precisava ter acontecido. O governo federal poderia facilmente ter fornecido ajuda aos Estados para ajudá-los a gastar --na verdade, o pacote de estímulo incluía essa ajuda, que foi uma das principais razões para o breve aumento no investimento público. Mas quando o Partido Republicano assumiu o controle da Câmara, qualquer chance de destinar verbas para a infraestrutura desapareceu. De vez em quando, os republicanos diziam que queriam gastar mais, mas bloqueavam todas as iniciativas vindas do governo Obama.

E tudo isso por causa de ideologia, uma hostilidade esmagadora para os gastos do governo de qualquer tipo. Esta hostilidade começou como um ataque aos programas sociais, especialmente aqueles que ajudam os pobres, mas com o tempo tornou-se uma oposição a qualquer tipo de despesa, não importa o quão necessária e não importa o estado da economia.

É possível ver essa ideologia em funcionamento em alguns documentos produzidos pelos republicanos da Câmara, sob a liderança de Paul Ryan, presidente da Comissão de Orçamento. Por exemplo, um manifesto de 2011 chamado “Spend Less, Owe Less, Grow the Economy” (em tradução livre, “gaste menos, deva menos, faça crescer a economia”) pedia grandes cortes nos gastos, mesmo em face da elevada taxa de desemprego, e classificava como “keynesiana” a noção de que “diminuir os gastos públicos para a infraestrutura diminui o investimento do governo”. (Eu achava que era apenas aritmética, mas o que eu sei?) Há também um editorial do “Wall Street Journal” do mesmo ano, chamado “The Great Misallocators” (em tradução livre, algo como “os grandes responsáveis pelo mau destino de verbas”), afirmando que todo o dinheiro que o governo gasta desvia recursos do setor privado, que sempre faria melhor uso desses recursos.

Não importa que, na prática, os modelos econômicos que dão base a tais afirmações tenham falhado drasticamente ou que as pessoas que dizem essas coisas vêm prevendo inflação galopante e aumento das taxas de juros e ano após ano continuam erradas; estas não são do tipo de pessoa que reconsidera seus pontos de vista à luz das evidências. Não importa o ponto óbvio que o setor privado não fornece e nem vai fornecer a maioria dos tipos de obras de infraestrutura, desde estradas locais até sistemas de esgoto; esse tipo de distinção se perdeu em meio aos gritos de “setor privado bom, governo mau”.

E o resultado, como eu disse, é que os EUA viraram as costas para sua própria história. Precisamos de investimento público; em um momento de taxas de juro muito baixas, poderíamos pagá-lo facilmente. Mas não vamos construir.