Topo

Pedindo desculpas ao Japão

O Banco do Japão, o banco central japonês, recebeu muitas críticas por ter reagido de forma lenta demais ao mergulho na deflação e então por sua ânsia em aumentar as taxas de juros ao primeiro indício de recuperação - Yoshikazu Tsuno/AFP
O Banco do Japão, o banco central japonês, recebeu muitas críticas por ter reagido de forma lenta demais ao mergulho na deflação e então por sua ânsia em aumentar as taxas de juros ao primeiro indício de recuperação Imagem: Yoshikazu Tsuno/AFP

Paul Krugman

Em Tóquio (Japão)

01/11/2014 00h03

Por quase duas décadas, o Japão tem servido como uma história de advertência, uma lição sobre como não conduzir uma economia avançada. Afinal, o país é a superpotência ascendente que tropeçou. Em um dia, ao que parecia, ele caminhava para o domínio de alta tecnologia da economia mundial; no outro, ele sofria com uma estagnação e deflação aparentemente sem fim. E os economistas ocidentais foram duros em suas críticas à política japonesa.

Eu fui um desses críticos; Ben Bernanke, que posteriormente se tornou o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), foi outro. E atualmente, eu frequentemente me vejo pensando que deveríamos pedir desculpas.

Bem, eu não estou dizendo que nossa análise econômica estava errada. O artigo que publiquei em 1998 sobre a "armadilha de liquidez" do Japão, ou o artigo publicado por Bernanke em 2000, pedindo aos autores de políticas japoneses que demonstrassem uma "determinação rooseveltiana" ao confrontarem seus problemas, envelheceram razoavelmente bem. Na verdade, em algumas formas eles parecem mais relevantes do que nunca agora que grande parte do Ocidente caiu em uma crise econômica prolongada, muito semelhante à experiência do Japão.

O ponto, entretanto, é que, na verdade, o Ocidente caiu em uma crise semelhante à do Japão –mas pior. E isso não deveria ter acontecido. Nos anos 90, nós presumimos que se os Estados Unidos e a Europa Ocidental se vissem diante de algo como os problemas do Japão, nós responderíamos de modo muito mais eficaz que os japoneses. Mas não respondemos, mesmo tendo a experiência do Japão para nos guiar. Pelo contrário, as políticas ocidentais desde 2008 foram tão inadequadas, se não ativamente contraproducentes, a ponto das falhas do Japão parecerem minúsculas em comparação. E os trabalhadores ocidentais têm experimentado um nível de sofrimento que o Japão conseguiu evitar.


De que políticas fracassadas estou falando? Começando pelos gastos do governo. Todo mundo sabe que no início dos anos 90, o Japão tentou estimular sua economia com um aumento de investimentos públicos. Mas o que nem todos sabem é que o investimento público caiu rapidamente depois de 1996, ao mesmo tempo em que o governo elevava os impostos, minando o progresso da recuperação. Isso foi um grande erro, mas empalidece em comparação às políticas de austeridade altamente destrutivas da Europa ou o colapso nos gastos em infraestrutura nos Estados Unidos depois de 2010. A política fiscal japonesa não fez o suficiente para ajudar o crescimento; a política fiscal ocidental destruiu ativamente o crescimento.

Ou considere a política monetária. O Banco do Japão, o banco central japonês, recebeu muitas críticas por ter reagido de forma lenta demais ao mergulho na deflação e então por sua ânsia em aumentar as taxas de juros ao primeiro indício de recuperação. Essa crítica é justa, mas o banco central japonês nunca fez nada tão equivocado quanto a decisão do Banco Central Europeu de elevar os juros em 2011, ajudando a mandar a Europa de volta à recessão. E mesmo esse erro é trivial em comparação ao comportamento incrivelmente equivocado do Riksbank, o banco central da Suécia, que elevou os juros apesar da inflação abaixo da meta e do desemprego relativamente alto, que a esta altura parece ter empurrado a Suécia para a deflação.

O caso sueco é especialmente notável, porque o Riksbank optou por ignorar um de seus próprios vice-presidentes: Lars Svensson, um economista monetário de renome internacional que trabalhou extensamente a respeito do Japão e que alertou seus colegas que uma elevação prematura dos juros teria exatamente os efeitos que tiveram.

Logo, há realmente duas questões aqui. Primeiro, por que todos parecem entender isso tão errado? Segundo, por que o Ocidente, com todos seus famosos economistas –sem contar a habilidade de aprender com o apuro do Japão– fez um estrago ainda pior que o Japão?

A resposta para a primeira pergunta, eu acho, é que uma resposta eficaz às condições de depressão exige um abandono da respeitabilidade convencional. Políticas que seriam normalmente prudentes e virtuosas, como equilibrar o orçamento ou adotar uma posição firme contra a inflação, se tornam receitas para uma recessão mais profunda. E é muito difícil persuadir pessoas influentes a fazerem esse ajuste –veja a incapacidade do establishment em Washington de abandonar sua obsessão com déficit.

Quanto ao motivo para o Ocidente ter se saído ainda pior que o Japão, eu suspeito que se trata das profundas divisões dentro de nossas sociedades. Nos Estados Unidos, os conservadores bloquearam os esforços para combater o desemprego devido a uma hostilidade geral ao governo, especialmente um governo que faz algo para ajudar Aquelas Pessoas. Na Europa, a Alemanha insistiu em rigidez e austeridade principalmente porque o público alemão é intensamente hostil a qualquer coisa que possa ser chamada de resgate ao sul da Europa.

Eu escreverei em breve mais sobre o que está acontecendo agora no Japão, e as novas lições que o Ocidente deveria estar aprendendo. Por ora, isto é o que você precisa saber: o Japão costumava ser uma história de advertência, mas nós erramos tão feio que ele agora mais parece um exemplo a ser seguido.