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Os verdadeiros maus europeus

16.nov.2014 - Os líderes Angela Merkel (Alemanha), Herman van Rompuy (Conselho Europeu), Jean-Claude Juncker (Comissão Europeia), entre outros, durante a cúpula do G20, que reúne os 19 países mais ricos do mundo e a União Europeia  na Austrália - Kay Nietfeld/EPA/Efe
16.nov.2014 - Os líderes Angela Merkel (Alemanha), Herman van Rompuy (Conselho Europeu), Jean-Claude Juncker (Comissão Europeia), entre outros, durante a cúpula do G20, que reúne os 19 países mais ricos do mundo e a União Europeia na Austrália Imagem: Kay Nietfeld/EPA/Efe

03/12/2014 00h00

A economia americana parece estar finalmente saindo do buraco profundo no qual entrou durante a crise financeira global. Infelizmente, a Europa, o outro epicentro da crise, não pode dizer o mesmo. O desemprego na área do euro estagnou em quase o dobro do nível americano, enquanto a inflação está bem abaixo da meta oficial e a deflação é um risco cada vez maior.

Os investidores perceberam: as taxas de juros europeias despencaram, com os títulos de longo prazo alemães rendendo apenas 0,7%. Esse é o tipo de rendimento que costumávamos associar à deflação japonesa, e os mercados estão realmente sinalizando que esperam que a Europa experimente sua própria década perdida.

Por que a Europa está nessa situação difícil? O senso comum entre os autores europeus de políticas é que estamos olhando para o preço da irresponsabilidade: alguns governos fracassaram em se comportar com a prudência que uma moeda compartilhada exige, optando por agradar eleitores equivocados e se agarrar a doutrinas econômicas falhas. E se você me perguntar (e a vários outros economistas que dedicaram grande atenção ao assunto), essa análise está basicamente certa, exceto por uma coisa: eles se equivocaram na identidade dos maus agentes.

Pois o comportamento ruim no centro do desastre em câmera lenta da Europa não vem da Grécia, Itália ou França. Ele vem da Alemanha.

Eu não estou negando que o governo grego se comportou de forma irresponsável antes da crise, ou que a Itália tenha um grande problema com produtividade estagnada. Mas a Grécia é um país pequeno cuja encrenca fiscal é única, enquanto os problemas de longo prazo da Itália não são a fonte da pressão deflacionária na Europa. Se você tentar identificar os países cujas políticas destoavam antes da crise, prejudicaram a Europa desde a crise e se recusam a aprender com a experiência, tudo aponta para a Alemanha como o pior agente.

Considere, em particular, a comparação entre a Alemanha e a França.

A França recebe muita cobertura ruim da imprensa, muito se falando sobre sua suposta perda de competitividade. Essa conversa exagera demais a realidade. Você não saberia, a partir da cobertura da imprensa, que a França incorre em um deficit comercial pequeno. Mesmo assim, se há um problema aqui, de onde ele vem? A competitividade francesa foi minada pelo crescimento excessivo de custos e preços?

Não, nem um pouco. Desde que o euro foi adotado em 1999, o deflator de PIB (o preço médio dos bens produzidos e serviços) da França subiu 1,7% ao ano, enquanto sua unidade de custos trabalhistas cresceu 1,9% ao ano. Ambos os números estão dentro da meta do Banco Central Europeu de inflação ligeiramente abaixo de 2% e semelhante ao que acontece nos Estados Unidos. A Alemanha, por outro lado, destoa muito, com o crescimento de preços e custos trabalhistas de 1% e 0,5%, respectivamente.

E não é apenas a França cujos custos estão onde deveriam estar. A Espanha viu o aumento de custos e preços durante a bolha imobiliária, mas a esta altura todo o excesso foi eliminado por anos de desemprego esmagador e limitação salarial. O crescimento dos custos italianos está um pouco alto demais, mas não destoa tanto quanto o da Alemanha na outra extremidade.

Em outras palavras, a ponto de haver algo como um problema de competitividade na Europa, ele é causado em grande parte pelas políticas "empobreça seu vizinho" da Alemanha, que estão na prática exportando deflação aos seus vizinhos.

Mas e quanto à dívida? A Europa não alemã não está pagando o preço por sua irresponsabilidade fiscal anterior? Na verdade, essa é a história da Grécia e de ninguém mais. E é especialmente errada no caso da França, que não está enfrentando uma crise fiscal. A França pode tomar empréstimos de longo prazo a uma taxa de juros baixa recorde de menos de 1%, apenas ligeiramente acima da taxa alemã.

Mas os autores europeus de políticas parecem determinados a culpar os países errados e as políticas erradas por seus apuros. É verdade que a Comissão Europeia apresentou um plano para estimular a economia com investimento público --mas o desembolso público é tão minúsculo em comparação ao problema que o plano é quase uma piada. Enquanto isso, a comissão está alertando a França, que conta com os custos mais baixos de tomada de empréstimo em sua história, que poderá ser multada por não reduzir seu déficit orçamentário o suficiente.

E quanto a resolver o problema da inflação baixa demais da Alemanha? Uma política monetária bastante agressiva poderia resolver o problema (apesar de que eu não contaria com isso), mas as autoridades monetárias alemãs estão alertando contra essas políticas, porque poderiam tirar a pressão sobre os devedores.

O que estamos vendo, então, é o poder altamente destrutivo das ideias ruins. Não é culpa exclusivamente da Alemanha --a Alemanha é o país mais importante da Europa, mas só é capaz de impor suas políticas deflacionárias porque grande parte da elite europeia acredita na mesma narrativa falsa. E você fica se perguntando o que será preciso para fazê-los ver a realidade.