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Democrata contra a reforma de saúde nos EUA é algo perturbador

06/12/2014 00h01

É fácil entender por que os republicanos gostariam que a reforma da saúde nunca tivesse acontecido e agora esperam que a Suprema Corte abandone seus princípios e derrube a lei. Mas é mais surpreendente e perturbador quando democratas como Charles Schumer, senador por Nova York, declaram que a principal realização do governo Obama foi um erro.

Em um minuto falarei sobre os recentes comentários de Schumer. Mas primeiro uma atualização sobre o Obamacare - não a política, mas a medida política em si, que continua conquistando sucessos notáveis (e amplamente não noticiados).

No início desta semana, o Instituto Urbano, independente, divulgou novas estimativas sobre o número de americanos sem seguro-saúde, e os resultados positivos do primeiro ano do Obamacare são notáveis. Lembram-se de todas as alegações de que mais pessoas perderiam cobertura do que ganhariam?

Bem, o instituto encontrou uma queda acentuada no número de adultos sem seguro, com mais de 10 milhões de pessoas ganhando cobertura desde o ano passado. Isso está de acordo com o que mostram diversas outras estimativas. O objetivo principal da reforma da saúde, dar aos americanos acesso aos tratamentos de que eles precisam, está majoritariamente em bom curso.

Enquanto algumas das políticas oferecidas sob o Obamacare não dão tanta proteção quanto gostaríamos, a enorme maioria dos novos segurados está satisfeita com sua cobertura, segundo uma recente pesquisa Gallup.

E sobre os custos? Houve muitas previsões de grande aumento dos prêmios. Mas os esforços da reforma da saúde para criar uma concorrência significativa entre as seguradoras estão funcionando melhor do que quase todo mundo esperava (inclusive eu). Os prêmios para 2014 ficaram bem abaixo das expectativas, e estimativas independentes mostram um aumento muito modesto --4% ou menos-- dos prêmios médios em 2015.

Em suma, se você pensa no Obamacare como uma política destinada a melhorar a vida dos americanos, ele vai realmente bem. É claro que ainda não é um vencedor político para os democratas. O que nos leva a Schumer.

A crítica de Schumer --ele certamente não é o primeiro a dizer essas coisas, mas é o democrata mais importante a dizê-las-- chama a reforma da saúde de erro porque ela beneficia apenas uma minoria de americanos, o que não é suficiente para vencer eleições. O que o presidente Barack Obama deveria ter feito, alega Schumer, é enfocar a melhora da economia como um todo. E isso está profundamente errado em pelo menos três aspectos.

Primeiro, embora seja verdade que a maioria dos americanos tem seguro por meio do Medicare, do Medicaid e de cobertura baseada no emprego, isso não significa que apenas os atuais não segurados se beneficiam de um programa que garante tratamento acessível. Talvez você tenha boa cobertura hoje, mas o que acontecerá se for demitido ou se seu empregador falir, ou se cancelar seu programa de seguro? E se você quiser mudar de emprego por qualquer motivo, mas não encontrar um novo emprego que tenha seguro?

A questão é que o sistema anterior ao Obamacare colocou muitos americanos sob o risco constante de ficar sem seguro, muitos mais do que o número de não segurados em qualquer momento, e outros milhões em liberdade de emprego limitada. Por isso a reforma da saúde ajuda uma parcela muito maior da população do que os atualmente não segurados --e esses beneficiários têm parentes e amigos. Esta não é uma política voltada para uma pequena minoria.

Segundo, sempre que alguém diz que Obama deveria ter-se concentrado na economia, minha pergunta é: o que você quer dizer com isso? Ele deveria ter tentado um estímulo maior? Eu diria que sim, mas essa luta aconteceu nos primeiros meses de seu governo, antes que começasse o impulso para a reforma da saúde. Depois disso, e especialmente depois de 2010, a oposição republicana de terra-arrasada matou praticamente todas as políticas econômicas que ele propôs. Você acha que teria sido diferente sem a reforma da saúde? Sério?

Veja, administração econômica tem a ver com substância, e não com teatro. Fazer o presidente caminhar ao redor murmurando "estou concentrado na economia" não teria conseguido nada. E eu nunca vi qualquer explicação plausível de como abandonar a reforma da saúde teria feito alguma diferença para as possibilidades políticas da política econômica.

Finalmente, precisamos perguntar qual é o objetivo de se ganhar eleições. A resposta, eu espero, é fazer o bem --não simplesmente se posicionar para vencer a próxima eleição. Em 2009-10, os democratas tiveram sua primeira chance em uma geração de fazer o que deveríamos ter feito três gerações atrás, e garantir tratamento de saúde adequado para todos os nossos cidadãos. Teria sido incrivelmente cínico não ter aproveitado essa oportunidade, e os democratas deveriam estar comemorando o fato de que eles fizeram a coisa certa.

E uma observação relacionada: se mais democratas estivessem dispostos a defender a melhor coisa que eles fizeram em décadas, em vez de fugir de sua própria conquista e implicitamente admitir que os ataques à reforma da saúde estavam certos, a política da questão poderia parecer muito diferente hoje.