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A vingança de Wall Street

Paul Krugman

15/12/2014 00h01

Em Wall Street, 2010 foi o ano da “revolta com Obama”, em que os magnatas financeiros ficaram loucos com a sugestão do presidente de que alguns banqueiros ajudaram a causar a crise financeira. Eles também ficaram com raiva, é claro, da reforma financeira Dodd-Frank, que colocou alguns limites em seus negócios e negociatas.

Os Mestres do Universo, ao que parece, são um bando de chorões. Mas eles são chorões com baús cheios, e agora eles compraram para si mesmos um Congresso.

Antes de eu começar a dar detalhes, deixe-me dar uma palavra sobre a mudança de política no mundo da alta finança.

A maioria dos grupos de interesse tem lealdades políticas estáveis. Por exemplo, a indústria do carvão sempre dá grande parte de suas contribuições políticas para os republicanos, enquanto os sindicatos de professores fazem o mesmo para os democratas. Você poderia imaginar que Wall Street iria favorecer o Partido Republicano, que está sempre ansioso em cortar impostos sobre os ricos. Na verdade, no entanto, a indústria de investimento e de valores mobiliários --talvez afetada pelo liberalismo social de Nova York, talvez reconhecendo a tendência das ações em se saírem muito melhor quando os democratas estão na Casa Branca-- historicamente divide o seu apoio mais ou menos igualmente entre as duas partes.

Mas tudo isso mudou com o início da revolta contra Obama. Wall Street apoiou esmagadoramente Mitt Romney em 2012 e investiu pesadamente nos republicanos mais uma vez neste ano. E a primeira recompensa pelo investimento já foi coletada. Na semana passada, o Congresso aprovou um projeto de lei que mantém o financiamento do governo dos EUA no próximo ano e incluiu no projeto uma reversão de um item da reforma de 2010.

A reversão é significativa, mas não chega a ser um golpe fatal para a reforma. A questão é que é totalmente indefensável. A maioria parlamentar que acaba de assumir revelou sua agenda de interesses, que é gratificar os maus atores.

Então, sobre a disposição que foi revertida. Um dos objetivos da reforma financeira foi impedir os bancos de assumirem grandes riscos com o dinheiro dos depositantes. Por quê? Bem, os depósitos bancários têm seguro contra perda, e isso cria um problema conhecido de “risco moral”: se os bancos têm total liberdade para fazer apostas, eles podem brincar com o dinheiro dos contribuintes. Foi isso o que aconteceu depois que instituições de poupança e empréstimo foram desregulamentadas na década de 80 e prontamente fizeram loucuras.

A reforma Dodd-Frank tentou limitar esse tipo de risco moral de vários modos, incluindo uma regra que impedia que instituições seguradas negociassem com títulos exóticos, do tipo que desempenhou um grande papel na crise financeira. E essa é a regra que acaba de ser revertida.

Isso não representa a morte da reforma financeira. Na verdade, eu diria que a regulação de bancos segurados é um espetáculo à parte, uma vez que a crise de 2008 foi provocada principalmente por instituições não seguradas, como o Lehman Bros. e a AIG. A parte realmente importante da reforma envolve a defesa do consumidor e a maior capacidade dos reguladores de policiar as ações de instituições financeiras “sistemicamente importantes” (que não necessariamente são bancos convencionais) e colocar essas instituições em liquidação judicial em tempos de crise.

Ainda assim, o que o Congresso fez é ultrajante --e ambos os lados da divisão ideológica devem concordar neste ponto. Afinal, mesmo que você acredite (desafiando as lições da história) que podemos confiar nas instituições financeiras para que se autopoliciem, mesmo que você acredite na narrativa grotescamente falsa de que os liberais de coração mole causaram a crise financeira, pressionando os bancos para que financiassem os pobres, especialmente os mutuários minoritários, você deve ser contra deixar Wall Street brincar com fundos garantidos pelo governo. O que acaba de ser aprovado não é sobre a economia de livre mercado; é puro capitalismo de compadrio.

E, é claro, o Citigroup literalmente escreveu o texto da desregulamentação que foi inserido no projeto de lei de financiamento.

Repito, a medida da semana passada não foi decisiva. Mas foi claramente a primeira escaramuça em uma guerra para reverter grande parte, se não toda, da reforma financeira. E se você quer saber a posição de cada um nesta próxima guerra, siga o dinheiro: Wall Street tem uma razão para estar doando principalmente aos republicanos.

É verdade que a maioria das manchetes políticas dos últimos dias têm sido sobre a cisão democrática, com a senadora Elizabeth Warren pedindo a rejeição de um projeto de lei de financiamento que a Casa Branca queria aprovar. Mas isso se deveu principalmente a uma diferença tática, com poucos democratas realmente acreditando ser uma boa ideia desfazer Dodd-Frank.

Enquanto isso, é difícil de encontrar republicanos expressando reservas em reverter a reforma. Você às vezes ouve alegações de que o Tea Party é tão contra livrar a cara dos banqueiros quanto a ajudar os pobres, mas não há sinal de que essa suposta hostilidade a Wall Street esteja tendo qualquer influência nas prioridades republicanas.

Assim, as pessoas que colocaram a economia de joelhos estão buscando uma chance para fazer tudo de novo. E elas têm aliados poderosos que estão fazendo tudo o que podem para que o sonho de Wall Street se torne realidade.