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No mundo moderno, a conquista é para perdedores

A Rússia de Putin pode ter anexado a Crimeia quase sem nenhuma oposição, mas o que obteve com seu triunfo foi uma economia em implosão - Alexey Druzhinin/Ria-Novosti/AFP
A Rússia de Putin pode ter anexado a Crimeia quase sem nenhuma oposição, mas o que obteve com seu triunfo foi uma economia em implosão Imagem: Alexey Druzhinin/Ria-Novosti/AFP

Paul Krugman

23/12/2014 00h03

Mais de um século se passou desde que Norman Angell, um político e jornalista britânico, publicou “A Grande Ilusão”, um tratado argumentando que a era das conquistas tinha acabado ou ao menos deveria acabar. Ele não previu um fim das guerras, mas argumentava que guerras agressivas não faziam mais sentido, que as guerras modernas empobreciam tanto os vitoriosos quanto os derrotados.

Ele estava certo, mas aparentemente é uma lição difícil de absorver. Vladimir Putin certamente nunca recebeu o memorando. E nem os neoconservadores americanos, cujo caso agudo de inveja de Putin mostra que eles não aprenderam nada com o desastre no Iraque.

O argumento de Angell era simples: saquear não era como no passado. Não é possível tratar uma sociedade moderna da mesma forma que Roma tratava uma província conquistada, sem destruir a própria riqueza que se está tentando tomar. Enquanto isso, a guerra ou a ameaça de guerra, ao perturbar as conexões comerciais e financeiras, inflige custos enormes além da despesa de manter e enviar exércitos. A guerra deixa um país mais pobre e mais fraco, mesmo quando ele vence.

As exceções na verdade confirmam a regra. Ainda há bandidos que travam guerra por diversão e lucro, mas invariavelmente o fazem em locais onde as matérias-primas exploráveis são a única fonte real de riqueza. As gangues que despedaçam a República Centro-Africana estão em busca de diamantes e marfim; o Estado Islâmico pode alegar que está promovendo um novo califado, mas até o momento está tomando em grande parte campos de petróleo.

O fato é que o que funciona para um senhor da guerra do quarto mundo é simplesmente autodestrutivo para uma nação do nível dos Estados Unidos –ou mesmo da Rússia. Veja o que aconteceu com o sucesso de Putin, a tomada da Crimeia: a Rússia pode ter anexado a península quase sem nenhuma oposição, mas o que obteve com seu triunfo foi uma economia em implosão, sem condições de pagar tributos e, na verdade, exigindo ajuda onerosa. Enquanto isso, a entrada de investimento estrangeiro e os empréstimos para a Rússia mais ou menos entraram em colapso, mesmo antes que o despencar do preço do petróleo transformasse a situação em uma crise financeira plena.

O que nos leva a duas grandes questões. Primeiro, por que Putin fez algo tão estúpido? Segundo, por que há tantas pessoas influentes nos Estados Unidos impressionadas e com inveja dessa estupidez?

A resposta para a primeira pergunta é óbvia, se você pensar na formação de Putin. Lembre-se, ele é um ex-membro da KGB –o que significa que ele passou seus anos formativos como um capanga profissional. Violência e ameaças de violência, complementadas com suborno e corrupção, é o que ele conhece. E por anos ele não teve nenhum incentivo para aprender outra coisa: os altos preços do petróleo enriqueceram a Rússia e, como qualquer um que preside durante uma bolha, ele certamente se convenceu de que era responsável por seu próprio sucesso. Podemos supor que ele não tinha percebido, até poucos dias atrás, que não tinha ideia de como atuar no século 21.

A resposta para a segunda pergunta é um pouco mais complicada, mas não vamos esquecer como acabamos invadindo o Iraque. Não foi uma resposta ao 11 de Setembro, ou a uma evidência de aumento de ameaça. Foi, em vez disso, uma guerra por escolha para demonstrar o poder americano e servir como prova de conceito para toda uma série de guerras que os neoconservadores desejavam travar. Lembra de “Todos querem ir para Bagdá. Homens de verdade querem ir para Teerã”?

O fato é que ainda há uma facção política ainda poderosa nos Estados Unidos dedicada à visão de que conquista dá retorno, e que, de modo geral, a forma de ser forte é agir de forma durona e deixar os outros com medo. A propósito, é possível suspeitar que essa falsa noção de poder é o motivo para os arquitetos da guerra terem tornado a tortura rotineira –não foi para obter resultados, mas sim para demonstrar a disposição de fazer tudo o que fosse preciso.

Os sonhos neoconservadores tomaram uma surra quando a ocupação do Iraque se transformou em um fiasco sangrento, mas eles não aprenderam com a experiência. (Quem é que aprende, atualmente?) Assim, ele veem o aventureirismo russo com admiração e inveja. Eles podem ter alegado estar alarmados com os avanços russos, que acreditavam que Putin, “um líder de verdade”, estava jogando xadrez enquanto o presidente Barack Obama jogava bolas de gude. Mas o que realmente os incomodava é que Putin estava vivendo a vida que eles sempre imaginaram para si mesmos.

A verdade, entretanto, é que a guerra realmente não compensa. A aventura no Iraque claramente acabou enfraquecendo a posição americana no mundo, além de ter custado mais de US$ 800 bilhões em gastos diretos e muito mais de formas indiretas. Os Estados Unidos são uma verdadeira superpotência, de modo que podemos lidar com essas perdas –apesar de alguém poder estremecer ao pensar no que poderia ter acontecido se os “homens reais” tivessem tido a chance de avançar contra outros alvos. Mas uma petroeconomia financeiramente frágil como a Rússia não dispõe da mesma capacidade de arcar com seus erros.

Eu não tenho ideia do que será do regime de Putin. Mas Putin ofereceu a todos nós uma lição valiosa. Esqueça o choque e espanto: no mundo moderno, conquista é para os perdedores.