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Será que objetivo europeu é fazer da Grécia um exemplo?

Paul Krugman

31/01/2015 00h01

Nos cinco anos (!) que se passaram desde o início da crise do euro, tem havido uma falta de pensamento claro. Mas essa confusão deve terminar agora. Os recentes acontecimentos na Grécia representam um desafio fundamental para a Europa: será que conseguirá ultrapassar os mitos e o moralismo e lidar com a realidade de uma forma que respeite os valores fundamentais do continente? Caso contrário, todo o projeto europeu --a tentativa de reforçar a paz e a democracia através de prosperidade compartilhada-- sofrerá um terrível golpe, talvez mortal.

Em primeiro lugar, os mitos: muitas pessoas parecem acreditar que os empréstimos que Atenas recebeu desde o início da crise vêm subsidiando os gastos gregos.

A verdade, porém, é que a grande maioria do dinheiro emprestado à Grécia foi usado simplesmente para pagar a dívida e seus juros. De fato, nos últimos dois anos, um valor maior do que todo o dinheiro que vai para a Grécia foi reciclado desta forma: o governo grego está recolhendo mais receita do que gasta em coisas que não juros e entregando os fundos suplementares aos credores.

Ou, para simplificar as coisas um pouco, você pode pensar que a política europeia envolve um resgate, não da Grécia, e sim dos bancos credores, com o governo grego simplesmente agindo como intermediário, e com o público grego, que viu seu padrão de vida cair de forma catastrófica, tendo que fazer mais sacrifícios para também contribuir com fundos para esse resgate.

Uma maneira de pensar sobre as demandas do governo grego recém-eleito é que ele quer uma redução no tamanho dessa contribuição. Ninguém está falando na Grécia gastar mais do que recebe; o que está em discussão seria gastar menos com juros e mais em coisas como cuidados de saúde e auxílio aos desamparados. E isso teria o efeito colateral de reduzir grandemente a taxa de 25% de desemprego da Grécia.

Mas a Grécia não tem a obrigação de pagar as dívidas que seu próprio governo escolheu incorrer? É aí que entra a moralização.

É verdade que a Grécia (ou mais precisamente o governo de centro-direita que governou a nação de 2004 a 2009) pegou voluntariamente empréstimos de grandes somas. Também é verdade, no entanto, que os bancos na Alemanha e em outros lugares voluntariamente emprestaram à Grécia todo esse dinheiro. Nós normalmente esperaríamos que ambos os lados desse erro pagassem um preço. Mas os credores privados têm sido amplamente socorridos (apesar do “corte de cabelo” em seus créditos em 2012). Enquanto isso, a Grécia deve continuar pagando.

Agora, a verdade é que ninguém acredita que a Grécia possa reembolsar tudo. Então, por que não reconhecer a realidade e reduzir os pagamentos a um nível que não imponha um sofrimento sem fim? Será que o objetivo é tornar a Grécia um exemplo para os outros mutuários? Em caso afirmativo, como é que isso é consistente com os valores daquela que se supõe ser uma associação de nações democráticas soberanas?

A questão dos valores torna-se ainda mais gritante quando consideramos por que os credores da Grécia ainda detêm poder. Se fosse apenas uma questão de finanças públicas, a Grécia poderia simplesmente declarar falência; desta forma, perderia o acesso a novos empréstimos, mas também pararia de pagar as dívidas existentes, e seu fluxo de caixa de fato melhoraria.

O problema para a Grécia, no entanto, é a fragilidade de seus bancos, que atualmente (como os bancos da área do euro) têm acesso ao crédito por meio do Banco Central Europeu. Corte esse crédito e o sistema bancário grego provavelmente derreteria em meio a enormes corridas bancárias. Enquanto permanece no euro, a Grécia precisa da boa vontade do Banco Central, que depende, por sua vez, da atitude da Alemanha e de outros países credores.

Mas pense em como isso interfere nas negociações da dívida. A Alemanha está realmente preparada, com efeito, a dizer a uma democracia europeia companheira: “Pague ou nós vamos destruir o seu sistema bancário”?

E pense no que acontecerá se o novo governo grego, que, afinal, foi eleito com a promessa de acabar com a austeridade, recusar-se a ceder? Dessa forma, com muita facilidade, cria-se uma saída forçada da Grécia do euro, com consequências econômicas e políticas potencialmente desastrosas para a Europa como um todo.

Objetivamente, resolver essa situação não deve ser difícil. Embora ninguém saiba disso, a Grécia realmente fez um grande progresso na recuperação da sua competitividade, os salários e os custos caíram drasticamente, de modo que, neste momento, a austeridade é a principal força segurando a economia.

Então, a solução é simples: vamos permitir que a Grécia tenha pequenos superavits, que aliviarão o sofrimento grego, e deixar que o novo governo celebre essa vitória, desarmando assim as forças antidemocráticas que estão à espera nos bastidores. Enquanto isso, o custo para os contribuintes das nações credoras, que nunca iam receber o valor total da dívida, seria mínimo.

Fazer a coisa certa, no entanto, exigiria que os outros europeus, particularmente os alemães, abandonassem os mitos que servem a eles mesmos e parassem de substituir as análises por lições moralizantes.

Eles podem fazer isso? Logo saberemos.