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Evitando a responsabilidade ao só pensar a longo prazo

Carolyn Kaster/AP
Imagem: Carolyn Kaster/AP

Paul Krugman

03/02/2015 00h03

Na segunda-feira, o presidente Barack Obama pedirá por um aumento significativo de gastos, revertendo os duros cortes dos últimos anos. Ele não obterá tudo o que está pedindo, mas é uma medida na direção certa. E também marca uma mudança bem-vinda no discurso. Talvez Washington esteja começando a superar sua obsessão irresponsável, tacanha, com problemas de longo prazo e finalmente passe a tratar da questão difícil da gratificação a curto prazo.

OK, eu estou sendo irreverente para chamar sua atenção. Mas falo sério. É dito com frequência que o problema com os autores de políticas é que estão concentrados demais na próxima eleição, que buscam soluções de curto prazo enquanto ignoram a situação a longo prazo. Mas a história da política e discurso econômicos nos últimos cinco anos têm sido exatamente o oposto.

Pense a respeito: diante do desemprego em massa e do enorme desperdício que ele acarreta, por anos a elite de Washington dedicou quase toda sua energia não para promover a recuperação, mas ao Bowles-Simpsonismo –em conceber "grandes barganhas" que tratassem do problema supostamente urgente de como pagaríamos pelo Seguro Social e pelo Medicare (o seguro-saúde público para idosos e inválidos) daqui duas décadas.

E essa preocupação bizarra com o que acontecerá a longo prazo não é um fenômeno apenas americano. Tente falar nos estragos causados pelas políticas de austeridade europeias e provavelmente você ouvirá sermões sobre que o que realmente precisamos discutir é uma reforma estrutural de longo prazo. Tente discutir os esforços do Japão para sair de sua armadilha deflacionária de décadas e, com certeza, você encontrará alegações de que política monetária e fiscal são atividades secundárias, que a desregulamentação e outras mudanças estruturais é que são realmente importantes.

Eu estou dizendo que a situação a longo prazo não importa? É claro que não, apesar de algumas formas de preocupação com a situação a longo prazo não fazerem sentido nem em seus próprios termos. Pense na noção de que a "reforma dos direitos adquiridos" é uma prioridade urgente. É verdade que muitas projeções sugerem que nossos principais programas de seguro social enfrentarão dificuldades no futuro (apesar da desaceleração dramática dos aumentos nos custos de saúde tornar mesmo essa proposição incerta). Se for assim, em algum momento nós precisaremos reduzir os benefícios. Mas por que, exatamente, é crucial lidarmos com a ameaça de corte de futuros benefícios nos concentrando em planos de corte de futuros benefícios?

De qualquer modo, mesmo onde as questões de longo prazo são reais, é realmente estranho a frequência com que assumem o centro das atenções nos últimos anos. Afinal, nós estamos vivendo as consequências de uma crise financeira que acontece apenas uma vez a cada três gerações. Os Estados Unidos parecem finalmente estar se recuperando –mas o Bowles-Simpsonismo teve sua maior influência precisamente quando a economia americana ainda estava presa no atoleiro. A Europa ainda nem se recuperou e há grande evidência de que as políticas de austeridade são o principal motivo para esse desastre em andamento. Então por que a insistência em mudar o assunto para reforma estrutural? A resposta, eu sugiro, é preguiça intelectual e falta de coragem moral.

Sobre a preguiça: muitas pessoas sabem o que John Maynard Keynes disse sobre a situação a longo prazo, mas um número muito menor está ciente do contexto. Aqui está o que ele realmente disse: "Mas esse a longo prazo é um guia enganador para os assuntos atuais. A longo prazo, todos nós estaremos mortos. Os economistas atribuem a si mesmos tarefas com facilidade e de modo inútil, mesmo quando em períodos tempestuosos só conseguem nos dizer que, quando a tempestade tiver passado, o mar voltará a ficar calmo".

Com muita frequência, ou é o que me parece, as pessoas que insistem que questões de austeridade e estímulo não são importantes estão na verdade tentando evitar pensar seriamente sobre a natureza do desastre econômico que tomou grande parte do mundo.

E também tentam evitar assumir uma posição que as exponha a ataque. As discussões sobre políticas monetárias e fiscais de curto prazo são politicamente carregadas. Oponha-se à austeridade e apoie a expansão monetária e você será duramente criticando pela direita; faça o contrário, e você será criticado e ridicularizado pela esquerda. Eu entendo por que é tentador ignorar todo o debate e declarar que as questões realmente importantes envolvem o longo prazo. Mas apesar das pessoas que dizem isso gostarem de posar como corajosas e responsáveis, elas na verdade estão fugindo das coisas difíceis –o que significa dizer, sendo covardes e irresponsáveis.

O que nos traz de volta ao novo orçamento do presidente.

Não é preciso dizer que as propostas fiscais de Obama, como tudo o que ele faz, serão atacadas pelos republicanos. Também é certo que enfrentará críticas dos autoproclamados centristas, que o acusarão de abandono irresponsável da luta contra os deficits orçamentários a longo prazo.

Assim, é importante entender quem é realmente irresponsável aqui. No atual ambiente econômico e político, pensar a longo prazo é uma forma de evitar a responsabilidade, uma forma de não se expor. E é bom ver sinais de que Obama está disposto a romper com aqueles que só pensam a longo prazo e se concentrar no aqui e agora.