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Ninguém entende o papel da dívida

Paul Krugman

10/02/2015 00h01

Muitos economistas, incluindo Janet Yellen, consideram os problemas econômicos globais desde 2008 em grande parte como uma questão de “desalavancagem” - uma tentativa simultânea por parte dos devedores em quase todo lugar em reduzir as suas responsabilidades. Por que a desalavancagem é um problema? Porque a minha despesa é a sua renda, e seus gastos são a minha renda, por isso, se todo mundo corta gastos ao mesmo tempo, os rendimentos vão para baixo ao redor do mundo.

Ou, como Yellen escreveu em 2009, “as precauções que podem ser inteligentes para indivíduos e empresas - e, de fato são essenciais para retornar a economia a seu estado normal - aumentam o sofrimento da economia como um todo”.

Então, quanto progresso já fizemos no sentido de retornar a economia para esse “estado normal”? Nenhum. Veja, os políticos vêm baseando suas ações em uma falsa visão do que é a dívida, e as suas tentativas de reduzir o problema de fato o pioraram.

Em primeiro lugar, os fatos: na semana passada, o McKinsey Global Institute publicou um relatório intitulado “Dívida e (não muita) desalavancagem”, que concluiu, basicamente, que nenhuma nação reduziu seu quociente de dívida total em relação ao PIB. A dívida das famílias caiu em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, mas subiu em outros. Mesmo onde houve significativa desalavancagem privada, a dívida pública aumentou mais do que a dívida privada caiu.

Talvez você pense que a nossa incapacidade de reduzir os quocientes da dívida mostre que não estamos fazendo esforços suficientes - que as famílias e os governos não fizeram um esforço sério para apertar o cinto, e que o que o mundo precisa é, sim, de mais austeridade. Mas, de fato, tivemos austeridades sem precedentes. Como salientou o Fundo Monetário Internacional, os gastos reais do governo, excluindo os juros, caíram entre as nações ricas - houve cortes profundos dos devedores problemáticos do sul da Europa, mas também houve cortes em países que poderiam pegar empréstimos com as menores taxas de juros da história, como a Alemanha e os Estados Unidos.

Toda essa austeridade, no entanto, só piorou as coisas - e previsivelmente, porque as exigências que todos apertem os cintos foram baseadas em uma incompreensão do papel que a dívida tem na economia.

Você pode ver esse mal-entendido em operação toda vez que alguém reclama dos déficits com slogans como “pare de roubar os nossos filhos”. Isso soa bem, se você não estudar a questão: as famílias que se endividam tornam-se mais pobres, então, o mesmo não acontece quando olhamos para a dívida nacional global?

Não, não acontece. Uma família endividada deve dinheiro a outras pessoas; a economia mundial como um todo deve dinheiro para si própria. E, embora seja verdade que os países podem tomar emprestado de outros países, os Estados Unidos, na verdade, vêm pegando menos empréstimos do exterior desde 2008, e a Europa é um credor líquido do resto do mundo.

Como a dívida é dinheiro que devemos a nós mesmos, ela não torna a economia diretamente mais pobre (e pagá-la não nos torna mais ricos). É verdade que a dívida pode representar uma ameaça para a estabilidade financeira, mas de nada ajuda quando os esforços para reduzir a dívida acabam empurrando a economia para a deflação e a depressão.

O que nos leva aos eventos atuais, pois há uma conexão direta entre o fracasso global em desalavancar e a crise política emergente na Europa.

Os líderes europeus compraram completamente a noção de que a crise econômica foi provocada pelo excesso de gastos de nações que vivem acima das suas possibilidades. O caminho a seguir, insistiu a chanceler da Alemanha Angela Merkel, era um retorno à frugalidade. A Europa, declarou ela, deve imitar a famosa dona de casa parcimoniosa da Suábia.

Esta foi a receita para o desastre em câmera lenta. Os devedores europeus, de fato, precisam apertar o cinto, mas a austeridade que eles foram obrigados a impor foi incrivelmente brutal. Enquanto isso, a Alemanha e outras economias centrais que precisavam gastar mais para compensar o aperto de cintos na periferia também tentaram gastar menos. O resultado foi a criação de um ambiente no qual ficou impossível reduzir os quocientes da dívida: o crescimento real passou a engatinhar, a inflação caiu para quase nada e a deflação passou a vigorar nas nações mais afetadas.

Os eleitores em dificuldades aguentaram esta catástrofe política por um tempo consideravelmente longo, acreditando nas promessas da elite que, em breve, seus sacrifícios seriam recompensados. Mas, como a dor continuou sem cessar e com nenhum progresso visível, a radicalização tornou-se inevitável. Qualquer um que tenha ficado surpreso com a vitória da esquerda na Grécia ou com o aumento das forças contra o establishment da Espanha não estava prestando atenção.

Ninguém sabe o que acontecerá a seguir, embora haja mais apostas que a Grécia deixará o euro do que em sua permanência. Talvez o dano pare por aí, mas eu não acredito; é muito provável que a saída da Grécia ameace todo o projeto da moeda única. E se o euro de fato fracassar, eis o que deve ser escrito em sua lápide: “Morreu de uma analogia ruim”.