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Crise alemã após a Primeira Guerra serve de alerta para dificuldades da Grécia

Paul Krugman

20/02/2015 00h01

Tente conversar a respeito das políticas que precisamos em uma economia mundial deprimida e alguém certamente rebaterá com o fantasma da Alemanha de Weimar, supostamente uma lição prática sobre os riscos dos déficits orçamentários e expansão monetária. Mas a história da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial quase sempre é citada de uma forma curiosamente seletiva. Nós ouvimos interminavelmente sobre a hiperinflação de 1923, quando as pessoas andavam com carrinhos de mão cheios de dinheiro, mas nunca ouvimos sobre a muito mais relevante deflação do início dos anos 30, quando o governo do chanceler Brüning –tendo aprendido as lições erradas– tentou defender o lastro de ouro da Alemanha com arrocho monetário e dura austeridade.

E quanto ao que aconteceu antes da hiperinflação, quando os Aliados vitoriosos tentaram forçar a Alemanha a pagar imensas indenizações? Essa também é uma história com muita relevância moderna, por ter relação direta com a atual crise em torno da Grécia.

O fato é que agora, mais do que nunca, é crucial que os líderes da Europa se recordem corretamente da história. Caso contrário, o projeto europeu de paz e democracia por meio da prosperidade não sobreviverá.

A respeito daquelas indenizações: a história básica aqui é que o Reino Unido e a França, em vez de verem a recém-estabelecida democracia alemã como uma parceira potencial, a trataram como uma inimiga derrotada, exigindo que lhes compensasse pelas suas perdas durante a guerra. Isso foi profundamente insensato –e as exigências impostas à Alemanha eram impossíveis de atender, por dois motivos. Primeiro, a economia da Alemanha tinha sido devastada pela guerra. Segundo, o verdadeiro fardo sobre aquela economia encolhida seria, como explicou John Maynard Keynes em seu livro irado e poderoso "As Consequências Econômicas da Paz", muito maior do que os pagamentos diretos aos Aliados vingativos.

No final, inevitavelmente, as somas de fato recebidas da Alemanha ficaram muito aquém das exigências dos Aliados. Mas a tentativa de impor um tributo a uma nação arruinada –incrivelmente, a França até mesmo invadiu e ocupou o Ruhr, o coração industrial da Alemanha, em um esforço de obter o pagamento– minou a democracia alemã e envenenou as relações com seus vizinhos.

O que nos traz ao confronto entre a Grécia e seus credores.

Você pode argumentar que a própria Grécia foi responsável por seus problemas, apesar de ter contado com a ajuda de credores irresponsáveis. A esta altura, entretanto, o fato simples é que a Grécia não pode pagar plenamente suas dívidas. A austeridade devastou sua economia tanto quanto a derrota militar devastou a Alemanha: o produto doméstico bruto real per capita grego caiu 26% de 2007 a 2013, comparável ao declínio alemão de 29% de 1913 a 1919.

Apesar dessa catástrofe, a Grécia está efetuando pagamentos aos seus credores, administrando um superávit primário –o excesso de receita acima dos gastos, excetuando o pagamento de juros– de cerca de 1,5% do PIB. E o novo governo grego está disposto a manter esse superávit. O que não está disposto a fazer é atender as exigências dos credores de que triplique o superávit e o mantenha assim por muitos anos.

O que aconteceria se a Grécia tentasse gerar esses superávits imensos? Ela teria que cortar ainda mais os gastos do governo, mas esse não seria o fim da história. Os cortes de gastos já levaram a Grécia a uma profunda depressão, e cortes adicionais aprofundariam ainda mais essa depressão. A queda das rendas implicaria em queda da receita tributária, de modo que o déficit cairia muito menos do que a redução inicial de gastos –provavelmente, menos da metade. Para atingir sua meta, então, a Grécia teria que promover outra rodada de cortes, e então outra.

Além disso, o encolhimento da economia também levaria a uma queda dos gastos privados, outro custo indireto da austeridade.

Some tudo isso, e tentar adicionar outros 3% adicionais do PIB que os credores estão exigindo custaria a Grécia não 3%, mas algo em torno de 8% do PIB. E lembre-se, isso se somaria a uma das piores crises econômicas na história.

E o que aconteceria se a Grécia simplesmente se recusasse a pagar? Bem, as nações europeias do século 21 não usam seus exércitos como cobradores de dívidas. Mas há outras formas de coerção. Nós agora sabemos que em 2010 o Banco Central Europeu ameaçou, na prática, provocar o colapso do sistema bancário irlandês a menos que Dublin concordasse com um programa do Fundo Monetário Internacional.

A ameaça de algo semelhante paira implicitamente sobre a Grécia, apesar de que minha esperança é de que o Banco Central, que agora está sob uma direção diferente e de mentalidade mais aberta, não o faça.

De qualquer forma, os credores europeus deveriam perceber que flexibilidade –dar à Grécia a chance de se recuperar– é do interesse deles. Eles podem não gostar do novo governo esquerdista, mas é um governo devidamente eleito cujos líderes estão, de acordo com tudo o que ouvi, sinceramente comprometidos com ideais democráticos. A situação poderia ser muito pior para a Europa. E se os credores forem vingativos, será.

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