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Desigualdade e situação difícil dos trabalhadores nos EUA são por opção

Paul Krugman

03/03/2015 00h04

Em fevereiro, o Wal-Mart, o maior empregador dos Estados Unidos, anunciou que aumentaria os salários de meio milhão de trabalhadores. Para muitos desses trabalhadores, os ganhos serão pequenos, mas o anúncio ainda assim é muito importante, por dois motivos. Primeiro, haverá repercussões: o Wal-Mart é tão grande que sua ação provavelmente levará a aumentos para milhões de trabalhadores empregados por outras empresas. Segundo, e talvez mais importante, é o que a decisão do Wal-Mart nos diz –que salários baixos são uma escolha política, e podemos e devemos escolher do modo diferente.

Um pouco de informação: os conservadores –com o apoio, tenho que admitir, de muitos economistas– normalmente argumentam que o mercado de trabalho é como o mercado de qualquer coisa. A lei da oferta e procura, eles dizem, determina o nível dos salários e a mão invisível do mercado punirá qualquer um que tentar desafiar essa lei.

Especificamente, essa visão implica que qualquer tentativa de elevar os salários fracassará ou terá consequências ruins. O estabelecimento de um salário mínimo, eles alegam, reduzirá o emprego e criará um excesso de mão de obra, da mesma forma que estabelecer pisos para os preços dos commodities agrícolas costumava levar a montanhas de manteiga, lagos de vinho e assim por diante.

Pressionar os empregadores a pagar mais, ou encorajar os trabalhadores a se organizarem em sindicatos, terá o mesmo efeito.

Mas economistas do trabalho há muito questionam essa visão. O soylent verde –quero dizer, a força de trabalho– é gente. E como os trabalhadores são pessoas, os salários não são, na verdade, como o preço da manteiga, e quanto os trabalhadores são pagos depende tanto de forças sociais e de poder político quanto da simples oferta e procura.

Qual é a evidência? Primeiro, há o que realmente acontece quando se aumenta os salários mínimos. Muitos Estados estabelecem salários mínimos acima do nível federal e podemos ver o que acontece quando um Estado aumenta seu mínimo, enquanto os Estados vizinhos não. O Estado que aumentou o salário perde um grande número de empregos? Não –a conclusão esmagadora do estudo desses experimentos naturais é que aumentos moderados no salário mínimo tem pouco ou nenhum efeito negativo sobre o emprego.

E há a história. A sociedade de classe média que costumávamos ter não evoluiu em consequência das forças impessoais do mercado –ela foi criada por uma ação política e em um breve período de tempo. Os Estados Unidos ainda eram uma sociedade bastante desigual em 1940, mas em 1950, ela foi transformada por uma redução dramática nas disparidades de renda, que os economistas Claudia Goldin e Robert Margo rotularam de Grande Compressão. Como isso aconteceu?

Parte da resposta é intervenção direta do governo, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, quando a autoridade do governo de estabelecer os salários foi usada para reduzir a diferença entre os mais bem remunerados e os pior remunerados. Parte disso, certamente, se deveu ao grande aumento da sindicalização. Parte se deveu à economia de pleno emprego dos anos da guerra, que criou uma demanda muito forte por trabalhadores e os empoderou a buscarem salários mais altos.

O importante é que a Grande Compressão não desapareceu assim que a guerra acabou. Em vez disso, o pleno emprego e as políticas pró-trabalhador mudaram as normas salariais, e uma classe média forte durou por mais de uma geração. Ah, e as décadas após a guerra também foram marcadas por crescimento econômico sem precedente.

O que me traz de volta ao Wal-Mart.

O aumento salarial pela empresa varejista parece refletir as mesmas forças que levaram à Grande Compressão, apesar de que de uma forma muito mais fraca. O Wal-Mart está sob pressão política devido a salários tão baixos que um número substancial de funcionários depende de cupons de alimento e do Medicaid (o seguro-saúde público para pessoas de baixa renda). Enquanto isso, os trabalhadores estão ganhando força graças à melhora do mercado de trabalho, refletida pelo aumento da disposição de largar empregos ruins.

O que é interessante, entretanto, é que essas pressões não parecem tão severas, ao menos até agora –mas o Wal-Mart está pronto para aumentar os salários assim mesmo. E sua justificativa para a decisão repete o que os críticos de sua política de salários baixos dizem há anos: pagar melhor aos trabalhadores levará a menor rotatividade de pessoal, melhor moral e maior produtividade.

O que isso significa, por sua vez, é que promover um aumento salarial significativo para dezenas de milhões de americanos quase certamente seria muito mais fácil do que o senso comum sugere. Eleve os salários mínimos em um valor substancial; facilite aos trabalhadores para que se organizem, aumentando seu poder de negociação; direcione as políticas monetária e fiscal para o pleno emprego, em vez de manter a economia deprimida por temor de que repentinamente nos transformaremos na Alemanha de Weimar. Não é uma lista difícil de implantar –e se fizermos essas coisas, poderemos obter grandes avanços para o tipo de sociedade na qual a maioria de nós deseja viver.

O fato é que a desigualdade extrema e a situação difícil dos trabalhadores nos Estados Unidos são por opção, não um destino imposto pelos deuses do mercado. E podemos mudar essa escolha se quisermos.