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Força é fraqueza

Paul Krugman

14/03/2015 00h01

Fomos avisados repetidamente de que o Federal Reserve (Banco Central dos EUA), em seu esforço para melhorar a economia, está "degradando" o dólar. A palavra arcaica em si [em inglês "debasing"] diz muito sobre de onde vêm as pessoas que estão lançando essas advertências. É uma alusão à antiga prática de substituir as moedas de ouro ou prata por outras "degradadas", cujo conteúdo de metal precioso era adulterado com material mais barato.

Mensagem para os defensores do padrão ouro e discípulos de Ayn Rand que dominam o Partido Republicano: não é assim que o dinheiro moderno funciona. Mas os críticos do Fed continuam insistindo que as políticas de dinheiro fácil levarão a uma queda acentuada do dólar.

A realidade, porém, continua se recusando a ceder. Longe de despencar para o porão, o dólar disparou pelo teto. Ao longo do último ano, ele aumentou 20% em média contra outras grandes moedas; subiu 27% em relação ao euro. Hurra para o dólar forte!

Ou não. Na verdade, o dólar forte é ruim para os EUA. Em um sentido imediato, ele vai enfraquecer nossa recuperação econômica há muito retardada, ao ampliar o déficit comercial. Em um sentido mais profundo, a mensagem do surto do dólar é que estamos menos isolados do que muitos pensavam dos problemas internacionais. Em particular, você deveria pensar na combinação dólar forte/euro fraco como uma maneira de a Europa exportar seus problemas para o resto do mundo, muito inclusive os EUA.

Um pouco de história: o crescimento americano melhorou ultimamente, com o emprego aumentando em um ritmo que não era visto desde a era Clinton. Mas o estado da economia ainda deixa muito a desejar. Em particular, a falta de muita evidência de aumentos salariais nos diz que o mercado de trabalho ainda está fraco, apesar da queda na taxa de desemprego global. Enquanto isso, os retornos que os EUA oferecem aos investidores estão ridiculamente baixos pelos padrões históricos; até os títulos de longo prazo estão pagando pouco mais de 2% de juros.

Os mercados cambiais, entretanto, sempre classificam os países em uma curva. Os EUA não estão exatamente excelentes, mas parecem ótimos comparados com a Europa, onde o presente é ruim e o futuro parece pior. Mesmo antes da nova crise grega estourar, a Europa começava a parecer o Japão sem a coesão social: na zona do euro, a população em idade ativa está encolhendo, o investimento é fraco e grande parte da região está flertando com a deflação. Os mercados reagiram a essas tristes perspectivas empurrando as taxas de juros incrivelmente para baixo. Na verdade, muitos títulos europeus hoje oferecem taxas de juros negativas.

Essa situação notável torna atraentes, em comparação, até mesmo os retornos muito baixos dos EUA. Por isso o capital está vindo para nós, fazendo o euro cair e o dólar subir.

Quem ganha com esse movimento do mercado? A Europa: um euro mais fraco torna a indústria europeia mais competitiva contra seus adversários, reforçando as exportações e as firmas que competem com importações, e o efeito é mitigar a queda do euro. Quem perde?

Nós, pois nossa indústria perde competitividade, não apenas nos mercados europeus, mas nos países onde nossas exportações competem com as deles. Os EUA vêm experimentando um modesto renascimento da manufatura nos últimos anos, mas este será abreviado se o dólar continuar tão alto por muito tempo.

Na verdade, portanto, a Europa está conseguindo exportar parte de sua estagnação para o resto do mundo. Não estamos falando sobre uma trama nefasta, sobre as chamadas guerras monetárias; é apenas o modo como as coisas funcionam em uma economia global com alta mobilidade do capital e taxas de câmbio definidas pelo mercado.

E os efeitos podem ser bastante grandes. Se os mercados acreditarem que a fraqueza da Europa vai durar muito, esperaríamos que o euro caísse e o dólar subisse o suficiente para eliminar grande parte, ou a maior, da diferença nas taxas de juros, o que significaria podar severamente o crescimento americano.

Uma coisa que me preocupa é que não tenho muita certeza se os políticos avaliaram plenamente as implicações de um aumento do dólar. O Fed, ainda ávido para aumentar as taxas de juros apesar da inflação baixa e dos salários estagnados, parece muito otimista sobre o lento progresso econômico. E as minutas mais recentes do banco sugerem que alguns membros da comissão gestora da política monetária estavam totalmente sem pistas, aparentemente acreditando que os influxos de capital fortaleceriam a economia americana, e não o contrário.

Ah, e mais uma coisa: muitas empresas em todo o mundo contraíram grandes empréstimos em dólares, o que significa que um dólar ascendente pode criar todo um novo conjunto de crises de dívida. Exatamente do que a economia global precisava.

Existe uma moral política em tudo isso? Uma coisa é que é realmente importante para todos nós que Mario Draghi e o Banco Central Europeu e associados tenham sucesso ao conduzir a Europa para longe da armadilha deflacionária; o euro é sua moeda, mas vem a ser o nosso problema. Principalmente, porém, há outro motivo para o Fed combater o desejo de fingir que a crise terminou. Não aumentem as taxas até poderem ver o branco dos olhos da inflação!

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves