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A era dourada de Israel

Paul Krugman

17/03/2015 00h01

Por que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sentiu a necessidade de causar distração em Washington? Pois foi isso, é claro, o que ele fez em seu discurso contra o Irã no Congresso. Se você está tentando seriamente afetar a política externa norte-americana, não insulta o presidente e se alia tão obviamente a sua oposição política. Não, o verdadeiro objetivo daquele discurso foi distrair o eleitorado israelense com ameaças bombásticas, desviar sua atenção do descontentamento econômico, que, como sugerem as pesquisas, poderá remover Netanyahu do cargo na eleição desta terça-feira (17).

Mas espere: por que os israelenses estão descontentes? Afinal, a economia de Israel se saiu bem, pelos critérios habituais. Ela suportou a crise financeira com danos mínimos. Em longo prazo, cresceu mais rapidamente que a maioria das outras economias avançadas e se transformou em uma potência tecnológica. Quais os motivos para se queixar?

A resposta, que eu não creio que seja amplamente compreendida aqui nos Estados Unidos, é que apesar de a economia de Israel ter crescido, esse crescimento foi acompanhado de uma perturbadora transformação na distribuição de renda e na sociedade do país. Outrora, Israel foi um país de ideais igualitários --a população dos kibutz sempre foi uma pequena minoria, mas tinha um grande impacto na autopercepção do país. E foi de fato uma sociedade razoavelmente igualitária até o início dos anos 1990.

Desde então, porém, Israel experimentou uma drástica ampliação das disparidades de renda. Medidas chaves de desigualdade dispararam; hoje Israel está empatada com os EUA como uma das sociedades mais desiguais do mundo desenvolvido. E a experiência israelense mostra que isso importa, que a extrema desigualdade tem um efeito corrosivo sobre a vida social e política.

Considere o que aconteceu nas duas extremidades do espectro: o crescimento da pobreza, de um lado, e da extrema riqueza, do outro.
Segundo dados do Estudo sobre Renda de Luxemburgo, a proporção da população israelense que vive com menos da metade da renda média do país, uma definição amplamente aceita de pobreza relativa, mais que duplicou, de 10,2% para 20,5% entre 1992 e 2010. A parcela de crianças na pobreza quase quadruplicou, de 7,8% para 27,4%. Ambos os números são os piores do mundo avançado, por ampla margem.

E quando se trata de crianças, em particular, a pobreza relativa é o conceito certo. As famílias que vivem com rendas muito mais baixas que as de seus concidadãos serão, de forma importante, alienadas da sociedade a seu redor, incapazes de participar plenamente da vida da nação. As crianças que crescem nessas famílias certamente serão colocadas em desvantagem permanente.

Na outra ponta, enquanto os dados disponíveis --surpreendentemente-- não mostram uma parcela especialmente grande da renda indo para o 1% no topo, existe uma extrema concentração de riqueza e de poder em um pequeno grupo de pessoas no topo. Pequeno mesmo! Segundo o Banco de Israel, aproximadamente 20 famílias controlam empresas que respondem pela metade do valor total do mercado de ações de Israel. A natureza desse controle é tortuosa e obscura, funcionando por meio de "pirâmides", em que uma família controla uma empresa, que por sua vez controla outras firmas e assim por diante. Embora o Banco de Israel seja circunspecto em sua linguagem, está claramente preocupado com o potencial que essa concentração de controle cria para se agir em benefício próprio.

Mas por que a desigualdade em Israel é uma questão política? Porque não precisava ser tão radical.

Você poderia pensar que a desigualdade em Israel é o resultado natural de uma economia de alta tecnologia que gera forte demanda por profissionais qualificados ou talvez reflita a importância das populações minoritárias com baixas rendas, ou seja, árabes e judeus religiosos radicais. Acontece, porém, que esses índices de alta pobreza refletem amplamente opções políticas: Israel faz menos para tirar pessoas da pobreza do que qualquer outro país avançado --sim, menos ainda que os EUA.

Enquanto isso, os oligarcas de Israel não devem sua posição à inovação e ao empreendedorismo, mas ao sucesso de suas famílias em obter o controle de empresas que o governo privatizou nos anos 1980, e supostamente mantêm essa posição em parte influindo indevidamente nas políticas oficiais, além de controlarem os grandes bancos.

Em suma, a economia política da terra prometida hoje é caracterizada por dificuldades no fundo e corrupção pelo menos branda no topo. E muitos israelenses consideram Netanyahu uma parte do problema. Ele defende as políticas de livre mercado; ele tem uma inclinação digna de Chris Christie pela boa vida às custas dos contribuintes, enquanto finge desajeitadamente o contrário.

Por isso, Netanyahu tentou mudar o assunto da desigualdade interna para ameaças externas, uma tática que os que se lembram dos anos Bush deverão achar totalmente familiar. Veremos na terça-feira se ele terá sucesso.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves