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Enganação sobre deficit domina discurso econômico antes de eleições britânicas

Paul Krugman

24/03/2015 00h01

A eleição de 2016 [nos EUA] ainda está a 19 meses de distância, capazes de toldar a mente e matar a alma. Existe, entretanto, outra eleição importante dentro de apenas seis semanas, quando a Grã-Bretanha irá às urnas. E muitas das mesmas questões estão sobre a mesa.

Infelizmente, o discurso econômico na Grã-Bretanha é dominado por uma fixação enganosa sobre os deficits orçamentários. Pior, essa narrativa inventada infectou o jornalismo supostamente objetivo; as organizações de mídia habitualmente apresentam como fato propostas que são discutíveis, quando não simplesmente erradas.

Desnecessário dizer que a Grã-Bretanha não é o único lugar onde tais coisas acontecem. Alguns anos atrás, no auge de nosso próprio fetichismo do deficit, a mídia americana demonstrou alguns dos mesmos vícios. Artigos supostamente factuais declaravam que os temores da dívida estavam fazendo as taxas de juros subirem, sem qualquer evidência para sustentar essas afirmações. Repórteres abandonavam qualquer pretensão de neutralidade e aplaudiam propostas de cortes de direitos.

Nos EUA, porém, parecemos ter deixado isso para trás. Na Grã-Bretanha, não.

A narrativa de que estou falando é assim: nos anos que antecederam a crise financeira, o governo britânico tomou empréstimos de maneira irresponsável, de modo que o país estava vivendo muito além de suas possibilidades. Em consequência, em 2010 a Grã-Bretanha esteve sob o risco iminente de uma crise no estilo grego. Políticas de austeridade eram essenciais, em particular cortes de gastos. E essa virada para a austeridade é justificada pelos baixos custos de empréstimos na Grã-Bretanha, juntamente com o fato de que a economia, depois de vários anos de dificuldades, hoje está crescendo rapidamente.

Simon Wren-Lewis, da Universidade Oxford, chamou essa narrativa de "midiamacro". Como sugere sua invenção, isso é o que você escuta o tempo todo na TV e lê nos jornais britânicos, apresentado não como a opinião de um lado do debate político, mas como um simples fato.

Mas nada disso é verdade.

O governo trabalhista que governou a Grã-Bretanha antes da crise foi dissoluto? Ninguém pensava assim na época. Em 2007, a dívida do governo como porcentagem do PIB estava próxima de seu nível mais baixo em um século (e muito abaixo do nível dos EUA), enquanto o deficit orçamentário era bem pequeno. A única maneira de fazer esses números parecerem ruins é afirmar que a economia britânica em 2007 estava operando muito acima da capacidade, inflando as receitas fiscais. Mas, se isso fosse verdade, a Grã-Bretanha deveria estar experimentando alta inflação, o que não estava.

Ainda assim, a Grã-Bretanha não corria o risco de uma crise no estilo grego, em que os investidores poderiam perder a confiança em seus papéis e fazer as taxas de juros dispararem? Não há motivo para se pensar assim. Diferentemente da Grécia, a Grã-Bretanha manteve sua própria moeda e empréstimos naquela moeda - e nenhum país que se encaixe nessa descrição experimentou esse tipo de crise. Considere o caso do Japão, que tem dívida e deficits muito maiores que os britânicos, mas ainda pode atualmente pedir empréstimos de longo prazo por uma taxa de juros de apenas 0,32%.

O que me traz às alegações de que a austeridade foi justificada. Sim, as taxas de juros britânicas permaneceram baixas. Assim como as de todo o mundo. Por exemplo, os custos dos empréstimos na França estão em seu nível mais baixo na história. Até países em crise de dívida, como Itália e Espanha, podem tomar empréstimos por taxas muito mais baixas do que a Grã-Bretanha paga.

E sobre o crescimento? Quando o atual governo britânico chegou ao poder, em 2010, impôs uma austeridade severa - e a economia britânica, que havia se recuperado da queda de 2008, logo começou a cair de novo. Em reação, o governo do primeiro-ministro David Cameron recuou, colocando em espera os planos de mais austeridade (mas sem admitir que estava fazendo isso). E o crescimento recomeçou.

Se isso contar como sucesso político, por que não tentar bater no próprio rosto por alguns minutos? Afinal, você vai se sentir ótimo quando parar.

Diante de tudo isso, você poderia se perguntar como a midiamacro ganhou tal influência no discurso britânico. Não culpe os economistas. Como indicou Wren-Lewis, muito poucos acadêmicos britânicos (em oposição aos economistas empregados pela indústria financeira) aceitam a proposta de que a austeridade foi justificada. Essa ortodoxia da mídia tornou-se entrincheirada apesar de, e não por causa, do que os economistas sérios tinham a dizer.

Ainda assim, você pode dizer o mesmo sobre o bowles-simpsonismo nos EUA, e sabemos como essa doutrina temporariamente teve tanta influência. Tudo tinha a ver com a postura, com pessoas influentes acreditando que pontificar sobre a necessidade de fazer sacrifícios - ou na verdade que outras pessoas fizessem sacrifícios - é como você parece sábio e sério. Daí a preferência por uma narrativa que prioriza o discurso duro sobre deficits, e não um pensamento duro sobre geração de empregos.

Como eu disse, nos EUA nós basicamente ultrapassamos isso, por diversos motivos - entre eles, eu desconfio, a ascensão do jornalismo analítico em lugares como The Upshot em "The New York Times". Mas na Grã-Bretanha não; uma eleição que deveria ser sobre problemas reais com toda a probabilidade será dominada por fantasias da midiamacro.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves