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Manhãs azuis na América

28/03/2015 00h01

Duas coisas impossíveis aconteceram com a economia americana durante o último ano - ou pelo menos elas deveriam ser impossíveis, segundo a ideologia que domina a metade de nosso espectro político. Primeiro, lembram-se de que o Obamacare seria um gigantesco matador de empregos? Bem, no primeiro ano da implementação plena da Lei de Acesso à Saúde a economia americana como um todo criou 3,3 milhões de empregos - o maior aumento desde os anos 1990. Segundo, 500 mil desses empregos foram gerados na Califórnia, que assumiu a liderança na criação de empregos, ultrapassando o Texas.

As políticas do presidente Barack Obama foram a causa do crescimento nacional dos empregos? O governador da Califórnia Jerry Brown - que aumentou impostos e adotou o Obamacare - maquinou o progresso de seu estado? Não, e poucos liberais afirmariam o contrário. O que temos visto tanto em nível nacional como estadual é principalmente um processo natural de recuperação, enquanto a economia finalmente começa a se curar das bolhas da habitação e da dívida da era Bush.

Mas o recente crescimento dos empregos tem grandes implicações políticas - tão perturbadoras para muitos na direita que eles estão em frenética negação, afirmando que a recuperação de certa forma é forjada. Por que não podem enfrentar a boa notícia?

A resposta na verdade vem em três níveis: a Síndrome de Insanidade de Obama, ou SIO; a Reaganolatria; e o truque da confiança.

Não é preciso dizer muito sobre a SIO. Hoje é uma ideia fixa na direita que este presidente é ao mesmo tempo maligno e incompetente, que tudo o que é tocado pelo ateu islâmico marxista queniano democrata - principalmente o último item - deve dar terrivelmente errado.

Quando chegam boas notícias sobre o orçamento ou a economia ou o Obamacare - que, aliás, está reduzindo rapidamente o número de não segurados enquanto custa muito menos do que se esperava - devem ser negadas.

Em um nível mais profundo, a ideologia conservadora moderna depende totalmente da proposição de que os conservadores, e somente eles, possuem a chave secreta da prosperidade. Em consequência, muitas vezes vemos políticos de direita fazendo afirmações como esta, do senador Rand Paul: "Quando foi a última vez que nosso país criou milhões de empregos? Foi sob Ronald Reagan".

Na verdade, se criar "milhões de empregos" significa adicionar 2 milhões ou mais de empregos em determinado ano, fizemos isso 13 vezes desde que Reagan deixou o cargo: oito vezes sob Bill Clinton, duas sob George W. Bush e três até agora sob Barack Obama. Quem está contando?

Mas os liberais não têm ilusões semelhantes? Na verdade, não. A economia ganhou 23 milhões de empregos sob Clinton, comparados com 16 milhões com Reagan, mas não há nada à esquerda comparável ao culto do Abençoado Ronald. Isso porque os liberais não precisam afirmar que suas políticas vão produzir um crescimento espetacular. Tudo o que eles precisam alegar é exequibilidade: que nós podemos fazer coisas como, por exemplo, garantir o seguro saúde para todos sem matar a economia.

Os conservadores, por outro lado, querem bloquear essas coisas e, em vez disso, cortar os impostos dos ricos e a ajuda aos menos afortunados. Por isso, eles devem afirmar que as políticas liberais são matadoras de empregos e que ser bom para os ricos é um elixir mágico.

O que nos leva ao último ponto: o truque da confiança.

Um antigo enigma da economia política é por que os interesses empresariais tantas vezes se opõem às políticas de combate ao desemprego. Afinal, reforçar a economia com uma política monetária e fiscal expansionista é bom para os lucros, assim como para os salários, mas muitos indivíduos ricos e líderes empresariais exigem dinheiro apertado e austeridade.

Como vários observadores indicaram, entretanto, para as grandes empresas, admitir que as políticas do governo podem criar empregos seria desvalorizar um de seus argumentos políticos favoritos - a alegação de que para alcançar a prosperidade os políticos devem preservar a confiança das empresas, entre outras coisas, evitando qualquer crítica ao que os empresários fazem.

No caso da economia de Obama, esse tipo de pensamento levou ao que eu gosto de chamar de teoria "Mamãe! Ele está olhando torto para mim!" da recuperação lenta. Com isto quero dizer a insistência de que a recuperação não estava sendo contida por fatores objetivos como cortes de gastos e excesso de dívida, mas sim pelos sentimentos feridos da elite corporativa depois que Obama sugeriu que alguns banqueiros se comportavam mal e alguns executivos talvez estivessem ganhando demais. Quem sabia que os magnatas e tubarões eram almas tão sensíveis? Em todo caso, porém, essa teoria é insustentável diante de uma recuperação que finalmente começou a produzir grandes ganhos de empregos, mesmo que isso devesse ter acontecido antes.

Então, como eu disse no início, o fato de que hoje estamos vendo manhãs azuis na América - sólido crescimento do emprego tanto em nível nacional como estadual que desafiou a ortodoxia da direita para desregulamentar e cortar impostos - é um grande problema para os conservadores. Embora eles nunca o admitam, os fatos provaram que suas crenças mais queridas estavam erradas.

Luiz Roberto Mendes Gonçalves