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'Profetas do desastre' fingem o que não aconteceu na saúde dos EUA

31/03/2015 00h01

Há muita distorção de dados na política norte-americana, mas o deputado Pete Sessions, do Texas, presidente do Comitê de Regras da Casa, recentemente estabeleceu um novo patamar quando declarou que o custo do Obamacare era “inconcebível”. Se você fizer uma “simples multiplicação”, insistiu, verá que a expansão da cobertura está custando US$ 5 milhões (em torno de R$ 16 milhões) por beneficiário. Mas seu cálculo foi um pouco enganado --por um fator de mais de mil. O custo real para os novos segurados norte-americanos é de cerca de US$ 4.000 (R$ 13 mil).

É certo que todo mundo comete erros. Mas este não foi um erro perdoável. Seja qual for a sua opinião sobre a Lei da Saúde Acessível, um fato indiscutível é que está custando muito menos do que o esperado aos contribuintes --cerca de 20% menos, de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso. Um membro sênior do Congresso deveria saber disso e certamente não deveria fazer discursos sobre qualquer questão sem antes se preocupar em ler os relatórios do escritório de orçamento.

Mas, é claro, isso tem sido assim durante todo o Obamacare. Antes de a lei entrar em vigor, seus adversários previram desastres em todos os níveis. Em vez disso, a lei está funcionando muito bem. Então, como é que os profetas do desastre reagem? Fingindo que as coisas ruins que haviam previsto de fato aconteceram.

E os custos não são a única área de desastre imaginário que agrada aos inimigos da reforma, em vez das verdadeiras histórias de sucesso. Lembre-se que, para eles, o Obamacare seria um grande destruidor do trabalho. Em 2011, a Câmara até mesmo aprovou uma lei chamada Revogação da Destruição do Trabalho pela Lei da Saúde Acessível. Segundo declararam, a reforma da saúde iria paralisar a economia e, em particular, levaria as empresas a colocarem seus empregados para trabalhar em meio turno.

Bem, o Obamacare entrou em vigor integralmente no início de 2014, e o crescimento do emprego no setor privado de fato se acelerou, a um ritmo que não se verificava desde os anos Clinton. Enquanto isso, o emprego a tempo parcial involuntário, ou seja, o número de trabalhadores que querem trabalhar em tempo integral, mas não conseguem uma vaga, caiu drasticamente. Mas os mesmos de sempre continuam falando como se suas terríveis previsões tivessem se tornado realidade. Como declarou Jeb Bush há algumas semanas, o Obamacare é “o maior supressor de empregos na dita recuperação”.

Por fim, há a caça interminável por histórias comoventes --de norte-americanos comuns, que trabalham duro e vêm sofrendo privações por causa da reforma de saúde. Como acabamos de ver, os adversários do Obamacare em geral não fazem matemática (e se arrependem quando fazem). Mas só o que precisam é de algumas histórias lacrimejantes, relatos de simpatizantes empobrecidos por algum aspecto da lei.

Surpreendentemente, no entanto, eles não conseguiram encontrar essas histórias. No início do ano passado, o grupo chamado Americanos pela Prosperidade, patrocinado pelos irmãos Koch, publicou uma série de anúncios com supostas vítimas do Obamacare, mas absolutamente nenhuma daquelas histórias de sofrimento sustentou-se depois de alguma pesquisa. Mais recentemente, a deputada Cathy McMorris Rodgers, do Estado de Washington, foi ao Facebook para pedir histórias de horror em relação ao Obamacare. O que ela conseguiu, em vez disso, foi uma enxurrada de depoimentos de pessoas cujas vidas melhoraram ou até, em alguns casos, foram salvas pela reforma na saúde.

Na realidade, as únicas pessoas atingidas pela reforma de saúde foram os norte-americanos com rendimentos muito elevados, que viram seus impostos subirem, e um número relativamente pequeno de pessoas que tiveram aumento em seu custo com saúde porque são jovens e saudáveis (desta forma, as seguradoras as consideravam como bons riscos) e afluentes (que não se qualificam para receber subsídios). Nenhum grupo fornece vítimas adequadas para as tais tentativas de ataque.

Em suma, quando se trata dos fatos, o ataque contra a reforma da saúde está de mãos vazias. Mas o público não sabe disso. A boa notícia sobre os custos não foi difundida de forma alguma: de acordo com uma pesquisa recente da Vox.com, apenas 5% dos norte-americanos sabem que o Obamacare está custando menos do que o previsto, enquanto 42% acham que o governo está gastando mais do que o esperado.

E as experiências favoráveis dos cerca de 16 milhões de norte-americanos que foram assegurados até agora tiveram pouco efeito sobre a percepção do público. Em parte, isso se deve porque a Lei da Saúde Acessível, propositalmente, não teve praticamente nenhum efeito sobre aqueles que já tinham um bom seguro de saúde: antes da lei, a grande maioria dos norte-americanos já tinha cobertura empresarial ou por Medicare e Medicaid, e estas pessoas não perceberam qualquer mudança em seu status.

Num nível mais profundo, no entanto, o que estamos vendo aqui é o impacto da política de pós-verdade. Vivemos em uma era em que os políticos e os supostos especialistas que os servem nunca se sentem obrigados a reconhecer os fatos desconfortáveis; um tempo em que nenhum argumento é deixado de lado, não importa o quão esmagadora seja a evidência de que está errado.

E o resultado é que os desastres imaginários podem ofuscar os sucessos reais. O Obamacare não é perfeito, mas tem melhorado dramaticamente a vida de milhões de pessoas. Alguém deveria dizer isso aos eleitores.

Tradução: Deborah Weinberg