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Nas eleições americanas, é preciso analisar o partido, e não as personalidades

Joshua Lott/Reuters
Imagem: Joshua Lott/Reuters

Paul Krugman

14/04/2015 00h03

Então Hillary Clinton é oficialmente pré-candidata, o que não surpreende ninguém. E você sabe o que virá por aí: tentativas intermináveis de psicanalisar a candidata, tentativas intermináveis de ler o significado do que ela diz ou não sobre o presidente Barack Obama, interminável ‘chupação de dedo’ sobre seu "posicionamento" nesta ou naquela questão.

Por favor, não deem atenção. A análise política baseada na personalidade é sempre uma empreitada duvidosa - na minha experiência, os analistas são péssimos juízesde caráter. Os que têmidade suficiente para se lembrar da eleição de 2000 também poderão se lembrar de como tínhamos certeza de que George W. Bush era um sujeito simpático e afável que adotaria políticas bipartidárias moderadas.

Em todo caso, nunca houve um momento na história dos EUA em que as supostas características pessoais dos candidatos tivessem menos importância. Enquanto rumamos para 2016, cada partido está bastante unido sobre as principais questõespolíticas - e essas posições unidas são muito distantes entre si. O enorme abismo entre os partidos se refletirá nas posições políticas de quem eles indicarem, e quase certamente se refletirá nas políticas reais adotadas por quem vencer.

Por exemplo, qualquer democrata tentaria, se eleito, manter os programas de previdência social básicos dos EUA - Seguridade Social, Medicare e Medicaid - essencialmente em suas formas atuais, enquanto também preservaria e ampliaria a Lei de Acesso à Saúde. Qualquer republicano tentaria destruir o Obamacare e fazer cortes profundos no Medicaid, e provavelmente tentaria converter o Medicare em um sistema de cupons.

Qualquer democrata manteria os aumentos de impostos sobre os americanos de alta renda que entraram em vigor em 2013, e possivelmente tentaria aplicar mais. Qualquer republicano tentaria reduzir os impostos dos ricos - os deputados republicanos pretendem votar na próxima semana para repelir o imposto sobre propriedades -, enquanto cortaria programas de ajuda àsfamílias de baixa renda.

Qualquer democrata tentaria manter a reforma financeirade 2010, que recentemente tem parecido muito mais eficaz do que sugerem os críticos. Qualquer republicano tentaria revertê-la, eliminando ao mesmo tempo a proteção ao consumidor e a regulamentação extra aplicada àsgrandes instituições financeiras, "sistemicamente importantes".

E qualquer democrata tentaria avançar na política sobre o clima, por meio de atos executivos, se necessário, enquanto qualquer republicano - seja ou não um negacionista completo da ciência climática - bloquearia as iniciativas para limitar as emissões de gases do efeito estufa.

Como os partidos ficaram tão distantes? Os cientistas políticos sugerem que isso tem muito a ver com a desigualdade de renda. Enquanto os ricos ficaram mais ricos comparados com todos os outros, suas preferências políticas se deslocaram para a direita - e eles puxaram o Partido Republicano ainda mais em sua direção. Enquanto isso, a influência do dinheiro grande sobre os democratas se desgastou pelo menos um pouco, agora que Wall Street, furiosa com a regulamentação e com os aumentos de impostos modestos, desertou o partido en masse. O resultado é um nível de polarização política que não era visto desde a Guerra Civil.

Mas algumas pessoas não querem reconhecer que as opções na eleição de 2016 são tão claras quanto afirmei. Os comentaristas políticos especializados em cobrir personalidades, mais que temas, vão criticar a afirmação de que sua suposta área de expertise não tem qualquer importância. Os autoproclamados centristas buscarão um campo mediano que não existe, na verdade. E em consequência ouviremos muitas afirmações de que os candidatos não querem realmente dizer o que dizem. Haverá, porém, uma assimetria no modo como é apresentada essa suposta lacuna entre retórica e opiniões reais.

De um lado, suponha que Clinton seja de fato a candidata democrata. Nesse caso, você pode ter certeza de que ela será acusada, desde o início e com frequência, de não ser a populista progressista que afirma ser.

Do outro, suponha que o candidato republicano seja um suposto moderado como Jeb Bush ou Marco Rubio. Em qualquer caso, certamente ouviremos muitas afirmações de analistas políticos de que o candidato não acredita muito no que diz. Mas em seus casos essa suposta insinceridade seria apresentada como uma virtude, e não um vício - claro, Bush está dizendo loucuras sobre o atendimento à saúde e a mudança climática, mas realmente não quer dizer isso, e seria racional quando estivesse no cargo. Como seu irmão.

Como você provavelmente pode prever, estou temeroso sobre os próximos 18 meses, que serão cheios de acusações e fúria, sem qualquer significado. Está bem, acho que poderíamos aprender algumas coisas. Onde Clinton se posicionará em acordos comerciais como a Parceria Transpacífica? Quanta influência exercerão os republicanos que criticam o Fed? -, mas as diferenças entre os partidos são tão claras e drásticas que é difícil ver como alguém que vem prestando atenção poderia ficar indeciso mesmo hoje, ou ser induzido a mudar de opinião entre hoje e a eleição.

Uma coisa é certa: os eleitores americanos farão uma opção real. Que vença o melhor partido.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Hillary anuncia candidatura à presidência dos EUA