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Irracionalidade triunfou nas eleições britânicas antes mesmo da votação

Paul Krugman

09/05/2015 00h02

“As palavras deveriam ser um pouco selvagens, pois são o ataque do pensamento sobre o irracional”, escreveu John Maynard Keynes. Sempre amei essa citação e tentei aplicá-la a minha própria escrita. Mas tenho de admitir que, no longo declínio que se seguiu à crise financeira de 2008 -quando tínhamos as ferramentas e o conhecimento para encerrá-la rapidamente, mas não o fizemos- os irracionais foram bastante bem sucedidos em evitar os pensamentos indesejáveis.

E em nenhum lugar o triunfo da insanidade foi mais completo do que na terra natal de Keynes. A eleição no Reino Unido deveria ter sido um referendo sobre uma doutrina econômica fracassada, mas não foi, porque ninguém com influência questionou as alegações claramente falsas e as más ideias.

Antes de bater nos britânicos, no entanto, deixe-me admitir que nós também nos saímos bem mal.

Começou cedo. O presidente Barack Obama herdou uma economia em queda livre; o que precisávamos, acima de tudo, era de mais gastos para reforçar a demanda. No entanto, grande parte do discurso de posse de Obama foi entregue ao clichê sobre a necessidade de fazer escolhas difíceis -a última coisa que precisávamos naquele momento. 

É verdade que, na prática, Obama promoveu um estímulo que, embora muito pequeno e de curta duração, ajudou a diminuir a profundidade e a duração da recessão. Mas quando os republicanos começaram a falar bobagem, declarando que o governo deveria apertar os cintos como as famílias -uma receita para a depressão generalizada-, Obama não contestou. Em vez disso, dentro de alguns meses, o mesmo absurdo tornou-se uma linha padrão em seus discursos, apesar de seus economistas saberem que não era a melhor coisa, assim como ele. 

Portanto, acho que não podemos ser muito duros com Ed Miliband, do Partido Trabalhista do Reino Unido, por não questionar o absurdo econômico vendido pelos conservadores. Como Obama e companhia, os líderes do Partido Trabalhista provavelmente sabem que não é bom, mas decidiram que é muito difícil vencer o apelo fácil da doutrina econômica mal pensada, especialmente quando a maior parte da mídia britânica a vende como verdade. Mas ainda assim, tem sido profundamente desanimador assistir isso. 

De qual absurdo estou falando? Simon Wren-Lewis, da Universidade de Oxford, que tem sido um cruzado incansável porém solitário do bom senso econômico, chama-o de “mediamacro”. A história do Reino Unido, segundo essa teoria, seria assim: primeiro, o governo trabalhista que governou até 2010 foi descontroladamente irresponsável, gastando muito além de seus meios. Em segundo lugar, essa prodigalidade fiscal causou a crise econômica de 2008-09. Isso por sua vez, deixou a coalizão que assumiu o poder em 2010 sem escolha, a não ser impor políticas de austeridade, apesar do estado deprimido da economia. Finalmente, o retorno do Reino Unido ao crescimento econômico em 2013 comprovou o acerto da austeridade e como seus críticos estavam errados. 

Contudo, cada pedaço dessa história é comprovadamente, ridiculamente errado. O Reino Unido antes da crise não era perdulário. A dívida e os déficits eram baixos e, na época, todos achavam que permaneceriam assim; os grandes déficits só surgiram como resultado da crise. A crise, um fenômeno global, foi impulsionada por bancos descontrolados e pela dívida privada, não por déficits orçamentais. Não havia urgência alguma de austeridade: os mercados financeiros nunca demonstraram qualquer preocupação com a solvência britânica. E o Reino Unido, que só voltou a crescer quando houve uma pausa na austeridade, não recuperou nada do terreno perdido nos dois primeiros anos da coalizão. 

No entanto, esta narrativa sem sentido domina completamente a mídia, onde é tratada como um fato e não uma hipótese. E o Partido Trabalhista não tentou combater essa história, provavelmente porque considerou impossível vencer essa batalha política. Mas por quê? 

Wren-Lewis sugere que tem muito a ver com o poder das analogias enganosas entre os governos e as famílias, e também com a influência maligna dos economistas que trabalham para a indústria financeira que, no Reino Unido como nos Estados Unidos, constantemente vendem histórias assustadoras sobre déficits e não pagam o preço por estarem consistentemente errados. Se a experiência dos EUA servir de guia, o meu palpite é que o Reino Unido também sofre do desejo de ver figuras públicas sérias, algo associado com um discurso rígido sobre a necessidade de fazer escolhas difíceis (à custa de outras pessoas, é claro). 

Ainda assim, é bastante surpreendente. O fato é que o Reino Unido e os Estados Unidos não tinham necessidade de fazer escolhas difíceis no rescaldo da crise. O que eles precisavam, em vez disso, era de um pensamento crítico -uma disposição para entender que este era um ambiente especial, que as regras habituais não se aplicam a uma economia persistentemente deprimida, na qual o endividamento público não compete com o investimento privado e não custa quase nada. 

Mas o pensamento crítico foi praticamente excluído do discurso público britânico. Como resultado, só nos resta esperar que quem assumir o leme da economia do Reino Unido não seja tão tolo quanto finge ser.

Tradutora: Deborah Weinberg