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Comércio e confiança

Paul Krugman

23/05/2015 00h01

Uma das virtudes subestimadas do governo Obama é a sua honestidade intelectual. Sim, os republicanos veem enganação e segundas intenções sinistras em todo lugar, mas são apenas suas próprias projeções. A verdade é que, nas áreas políticas que acompanho, a Casa Branca tem sido notavelmente clara e direta sobre o que está fazendo e por quê.

Todas elas, exceto uma: investimento e comércio internacional.

Eu não sei por que o presidente optou em tornar a Parceria Transpacífica tamanha prioridade política. Ainda assim, há um argumento em favor de tal acordo, e algumas pessoas razoáveis e bem-intencionadas estão apoiando a iniciativa.

Entretanto, outras pessoas razoáveis e bem-intencionadas têm sérias questões sobre o que está acontecendo. E eu esperaria um esforço de boa fé para responder a essas perguntas. Infelizmente, isso não vem acontecendo de forma alguma. Em vez disso, a promoção do pacto de 12 nações do Pacífico transmite uma sensação de tapeação: as autoridades evadem as principais preocupações sobre o conteúdo de um possível acordo, elas menosprezam e rejeitam as críticas, e dão garantias levianas que acabam por não serem verdade.

A principal defesa analítica do acordo comercial por parte do governo surgiu neste mês em um relatório do Conselho de Consultores Econômicos. Estranhamente, no entanto, o relatório não chega a analisar o pacto comercial do Pacífico. Em vez disso, faz uma ode às virtudes do livre comércio, irrelevante para a questão em apreço.

Em primeiro lugar, a maioria dos benefícios que você pode citar em relação ao livre comércio já foi capitalizada. Uma série de acordos comerciais anteriores, que já têm quase 70 anos, reduziu as tarifas e outras barreiras ao comércio a um ponto onde qualquer efeito que possam ter sobre o comércio dos EUA será sobreposto por outros fatores, como alterações no câmbio.

De qualquer forma, o acordo de comércio do Pacífico não é realmente sobre o comércio. Algumas tarifas que já são baixas seriam reduzidas, mas o principal impulso do acordo proposto envolve direitos de propriedade intelectual --coisas como patentes de medicamentos e direitos de autoria de filmes-- e mudar a maneira como as empresas e os países resolvem suas disputas. E está absolutamente claro que nenhuma dessas mudanças seria boa para os EUA.

Sobre a propriedade intelectual: patentes e direitos autorais são a forma que temos de recompensar a inovação. Mas precisamos aumentar essas recompensas em prejuízo do consumidor? As grandes indústrias farmacêuticas e Hollywood acham que sim, mas organizações como os Médicos Sem Fronteiras estão preocupadas que o acordo inviabilize a compra de medicamentos pelos países em desenvolvimento. Essa é uma preocupação séria, e aqueles que defendem o pacto não a abordaram de forma satisfatória.

Sobre a solução de controvérsias: um capítulo que vazou para o público mostra que o acordo iria criar um sistema sob o qual empresas multinacionais poderiam processar os governos em caso de alegações de violações do acordo, e seus casos seriam julgados por tribunais parcialmente privatizados. Críticos como a senadora Elizabeth Warren alertam que isso poderia comprometer a autonomia da política interna dos Estados Unidos --que estes tribunais poderiam, por exemplo, ser usados para atacar e minar a reforma financeira.

Não é nada disso, diz o governo Obama, com o presidente declarando que Warren está “absolutamente errada”. Mas não está. O pacto comercial do Pacífico poderia forçar os Estados Unidos a mudarem suas políticas ou enfrentarem grandes multas --e a regulação financeira é uma política que poderá entrar na linha de fogo.

Como se quisesse ilustrar este ponto, o ministro das Finanças do Canadá declarou recentemente que a Regra Volcker, uma disposição crucial da reforma de 2010 dos EUA, viola o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio. Mesmo que seu argumento não tenha sido convincente, suas observações demonstram que não há nada de tolo em se preocupar que acordos comerciais e pactos de investimento possam ameaçar a regulação bancária.

A meu ver, o grande problema aqui é de confiança.

Os acordos econômicos internacionais são inevitavelmente complexos, e você não quer descobrir no último minuto, pouco antes de uma votação de aprovação, que um monte de coisas ruins foram incorporadas ao texto. Então você quer garantias de que as pessoas que negociam o acordo estão dando ouvidos a preocupações válidas, que estão servindo ao interesse nacional e não aos interesses de empresas bem conectadas.

Em vez de abordar as preocupações, no entanto, o governo Obama as tem desconsiderado, tentando retratar os céticos como chatos desinformados que não entendem as virtudes do livre comércio. Mas não são: em média, os céticos têm sido mais certos do que errados sobre questões como a resolução de litígios, e o único tratamento econômico realmente descuidado que eu vi neste debate veio daqueles que defendem o pacto comercial.

É realmente decepcionante e desanimador ver esse tipo de coisa vindo de uma Casa Branca que, como eu disse, tem sido bastante franca sobre outras questões. E o fato de que o governo evidentemente não sente que pode defender honestamente a Parceria Transpacífica sugere que este não é um negócio que devamos apoiar.

Tradução: Deborah Weinberg