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Em vez de cortar direitos, EUA precisam entender como vivem os mais pobres

Paul Krugman

29/05/2015 10h28

Apesar dos danos causados pela Grande Recessão e suas consequências, os EUA continuam sendo um país muito rico. Mas muitos americanos estão economicamente inseguros, com pouca proteção contra os riscos da vida. Eles passam por dificuldades financeiras frequentemente; muitos acreditam que não vão poder se aposentar e, caso se aposentem, terão pouco para viver além da Previdência Social. 

Muitos leitores, espero, não se surpreendem com nada do que eu disse. Mas muitos americanos afluentes -e, em particular, os membros da nossa elite política- parecem não ter noção de como vive a outra metade. É por isso que o novo estudo sobre o bem-estar financeiro das famílias americanas realizado pelo Federal Reserve deveria ser leitura obrigatória em Washington. 

Antes de eu chegar a esse estudo, deixe-me dizer algumas palavras sobre a posição insensível tão prevalente em nossa vida política. 

Não estou falando apenas sobre o desprezo de direita pelos pobres, embora a predominância do conservadorismo sem compaixão seja um espetáculo admirável. De acordo com o Pew Research Center, mais de três quartos dos conservadores acreditam que os pobres “têm uma vida fácil”, graças aos benefícios do governo; apenas 1 em cada 7 acreditam que os pobres “têm vidas difíceis”. E esta atitude traduz-se em política. O que é revelado com a recusa dos Estados controlados pelos republicanos em expandir o Medicaid, mesmo quando o governo federal vai pagar a conta, é que castigar os pobres tornou-se um objetivo em si, um objetivo válido mesmo que prejudique os orçamentos estaduais, em vez de ajudar. 

Mas deixemos os conservadores e seu desprezo pelos pobres de lado. O que é realmente surpreendente é a desconexão entre o pensamento convencional centrista e a realidade da vida -e da morte- de grande parte da nação. 

Tomemos, como exemplo, o posicionamento da Previdência Social. Por décadas, a vontade declarada de cortar os benefícios da Previdência Social, especialmente com o aumento da idade mínima para a aposentadoria, foi considerada uma posição desejável -um sinal de seriedade- para políticos e especialistas que querem passar a impressão de sábios e responsáveis. Afinal, as pessoas estão vivendo mais, de modo que deveriam trabalhar mais certo? E a Previdência Social é um sistema antiquado, fora de contato com a realidade econômica moderna, certo? 

Enquanto isso, a realidade é que viver mais tempo em nossa sociedade cada vez mais desigual, é, em grande parte, uma coisa de classe: a expectativa de vida aos 65 anos aumentou muito entre os ricos, mas quase nada na metade inferior da distribuição salarial, ou seja, entre aqueles que mais necessitam da Previdência Social. O sistema de aposentadoria FDR pode parecer antiquado para os profissionais afluentes, mas é, literalmente, uma tábua de salvação para muitos dos nossos concidadãos. A maior parte dos americanos com mais de 65 anos recebem mais da metade do seu rendimento da Previdência Social, e mais de um quarto são quase completamente dependentes desses depósitos. 

Estas realidades podem estar finalmente penetrando no debate político, em certa medida. Atualmente, estamos ouvindo menos pedidos de cortes na Previdência Social e estamos até vendo alguma atenção dedicada a propostas de aumentos nos benefícios, diante da erosão das pensões privadas. Mas a minha sensação é que Washington ainda não tem nenhuma pista sobre como vivem aqueles que ainda não são idosos. E é aí que entra aquele estudo do Federal Reserve. 

Este é o segundo ano do estudo, e a edição atual, na verdade, retrata uma nação em recuperação: em 2014, ao contrário de 2013, muitos dos entrevistados disseram que estavam em melhor situação do que cinco anos antes. No entanto, surpreende a falta espaço para erro em muitas vidas americanas. 

Vemos, por exemplo, que três em cada dez norte-americanos não idosos não têm uma poupança prevista para a aposentadoria, nem pensão, e que a mesma fração não pôde ir ao médico no ano passado por não poder arcar com os custos. Quase um quarto informou que um membro da família tinha tido dificuldades financeiras no ano passado. 

E algo que até assustou até a mim: 47% disseram que não teriam os recursos para atender uma despesa inesperada de US$ 400 -US$ 400 (em torno de R$ 1.200)! Eles teriam que vender algo ou pedir dinheiro emprestado para atender a essa necessidade, caso conseguissem. 

Naturalmente, poderia ser muito pior. A Previdência Social existe, e devemos ficar muito satisfeitos com isso. Por outro lado, o seguro-desemprego e o vale-refeição fizeram muito para proteger as famílias desafortunadas durante o pior da Grande Recessão. E o Obamacare, mesmo imperfeito, reduziu imensamente a insegurança, especialmente em Estados cujos governos não tentaram sabotar o programa. 

Mas enquanto as coisas poderiam ser piores, elas também poderiam estar melhores. Não existe algo como segurança perfeita, mas facilmente as famílias americanas poderiam ter muito mais segurança do que têm. Bastaria os políticos e especialistas pararem de falar alegremente sobre a necessidade de cortar “direitos” e começarem a olhar para a forma como os seus concidadãos menos afortunados realmente vivem.