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Combater o "derp" é um dever cívico

Paul Krugman

09/06/2015 00h01

No que diz respeito à economia --e a outros assuntos, mas vou me concentrar no que conheço melhor--, vivemos em uma era de "derp" e cinismo barato. E há forças poderosas por trás de ambas as tendências. Mas essas forças podem ser combatidas, e o lugar para começar é dentro de você mesmo.

De que estou falando? "Derp" é um termo emprestado do desenho animado "South Park", que ganhou ampla aceitação entre pessoas com quem converso porque é uma abreviatura útil para uma característica óbvia da paisagem intelectual moderna: pessoas que continuam dizendo a mesma coisa, por mais que haja evidências de que estão completamente erradas.

O exemplo perfeito é a disseminação do medo da inflação. Talvez fosse perdoável que economistas, analistas e políticos advertissem sobre a inflação descontrolada alguns anos atrás, quando o Federal Reserve (Banco Central norte-americano) estava iniciando seus esforços para socorrer uma economia deprimida. Afinal, todo mundo faz más previsões de vez em quando.

Mas, fazer a mesma previsão errada ano após ano, sem admitir os erros passados ou considerar a possibilidade de que você tem o modelo errado do funcionamento da economia, bem, isso é derp. E há um monte de derp por aí. O derp da inflação, em particular, tornou-se mais ou menos uma posição necessária entre os republicanos. Até economistas de sólida reputação, cujo trabalho profissional deveria tê-los tornado céticos da histeria inflacionária, passaram anos repetindo a paranoia dos defensores do padrão do ouro. E isso lhe diz por que o derp permanece: ele é basicamente político.

É um artigo de fé sobre a certeza de que qualquer tentativa do governo de combater o desemprego deve levar ao desastre, por isso os fiéis devem continuar prevendo o desastre mesmo que ele não se materialize.

Mas todo mundo não faz isso? Não, e é aí que entra o cinismo barato.

É verdade, os pregadores do derp de inspiração política são rápidos para acusar outros do mesmo pecado. Por exemplo, logo no início do governo Obama, Robert Lucas, um prêmio Nobel da Universidade de Chicago, acusou Christina Romer, a principal economista do governo, de fraude intelectual. Sua análise da política fiscal, declarou ele, era apenas "uma racionalização muito nua de políticas que já haviam sido decididas, você sabe, por outros motivos".

De modo geral, qualquer pessoa que pratique algum tipo de economia keynesiana --uma abordagem que, entre outras coisas, previu corretamente a contenção da inflação e das taxas de juros-- é constantemente acusada de apenas procurar motivos para expandir o governo.

Mas o derp não é universal. Há também muita análise verdadeira e honesta por aí, e você não precisa ser um perito técnico para saber a diferença.

Já mencionei um sinal revelador de derp: previsões que continuam sendo repetidas por mais erradas que tenham sido no passado. Outro sinal é a prescrição política imutável, como a afirmação de que cortar os índices de impostos para os ricos, que vocês defendem o tempo todo, também é por acaso a resposta perfeita para uma crise financeira que ninguém esperava.

Outra ainda é um pedido por respostas de longo prazo para acontecimentos de curto prazo --por exemplo, a redução permanente do tamanho do governo para enfrentar uma recessão.

E aqui está a coisa: se você examinar o que Romer e muitos outros keynesianos tinham a dizer, nenhum desses sinais reveladores estava presente. Eles defendiam o deficit orçamentário como uma reação a uma severa crise, não um elixir universal, e as medidas que eles pediam, como gastos em infraestrutura e ajuda orçamentária para os governos estaduais, destinavam-se a ser temporárias, e não uma expansão permanente (e o estímulo de 2009 realmente se dissipou no prazo marcado).

Então, o derp não é destino. Mas, como você pode --seja um analista, um fazedor de políticas ou apenas um cidadão preocupado-- se proteger da "derpitude"? A primeira linha de defesa, eu diria, é sempre desconfiar das pessoas que dizem o que você quer ouvir. Assim, se você é um conservador contrário a uma rede de segurança forte, deveria ser supercético sobre alegações de que a reforma da saúde está prestes a cair e pegar fogo, especialmente vindas de pessoas que fizeram a mesma previsão no ano passado e no anterior (o derp do Obamacare é quase tão profundo quanto o derp da inflação).

Mas, se você é um liberal que acredita que devemos reduzir a desigualdade, deveria ser igualmente cauteloso sobre estudos que pretendem mostrar que a desigualdade é responsável por muitos de nossos problemas econômicos, do crescimento lento à instabilidade financeira. Esses estudos podem estar corretos --o fato é que há menos derp na esquerda norte-americana do que na direita--, mas de todo modo você precisa combater a tentação de deixar a conveniência política ditar suas opiniões.

Combater o derp pode ser difícil, no mínimo porque pode aborrecer seus amigos que querem insistir em suas opiniões. Mas você deve fazê-lo, de qualquer modo: é seu dever cívico.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves