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Democratas se comportando como democratas

Hillary Clinton, pré-candidata à Presidência pelo Partido Democrata, abraça o marido, o ex-presidente Bill Clinton, após discurso de lançamento de sua campanha - Li Muzi/Xinhua
Hillary Clinton, pré-candidata à Presidência pelo Partido Democrata, abraça o marido, o ex-presidente Bill Clinton, após discurso de lançamento de sua campanha Imagem: Li Muzi/Xinhua

15/06/2015 10h29

Na sexta-feira, os democratas da Câmara chocaram quase todo mundo ao rejeitar as principais disposições necessárias para fechar a Cooperação Trans-Pacífica, um acordo que a Casa Branca quer, mas grande parte do partido não. No sábado, Hillary Clinton fez o início formal de sua campanha para presidente e surpreendeu a maioria dos observadores com um discurso assumidamente liberal e populista.

É claro que estes eventos são relacionados. O Partido Democrata está se tornando mais assertivo sobre seus valores tradicionais, algo ressaltado pela decisão de Clinton de discursar em Roosevelt Island. Pode-se dizer que os democratas estão virando à esquerda. Mas a história é mais complicada e interessante do que esta simples declaração deixa transparecer.

Veja, desde a eleição de Ronald Reagan, em 1980, os democratas têm estado na defensiva ideológica. Mesmo quando venceram as eleições, pareciam com medo de endossar posições claramente progressistas, ansiosos em demonstrar o seu centrismo com o apoio a políticas como cortes para a segurança social que sua base odiava. Mas essa era parece ter terminado. Por quê?

Parte da resposta é que os democratas, apesar das derrotas nas eleições no meio do mandato presidencial, acreditam -com ou sem razão- que o vento político sopra a seu favor. A crescente diversidade étnica está produzindo o que deve ser um eleitorado mais favorável; a tolerância crescente está transformando questões sociais que antes eram uma fonte da força republicana em uma vantagem democrática. Reagan foi eleito por uma nação em que metade do público ainda desaprovava o casamento inter-racial; Clinton está concorrendo para liderar uma nação na qual 60% da população apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ao mesmo tempo, os democratas parecem finalmente ter entendido algo que os cientistas políticos dizem há anos: que assumir posições “centristas” na tentativa de atrair eleitores indecisos é um erro, porque esses eleitores não existem. A maioria dos supostos independentes estão, de fato, fortemente alinhados com um partido ou outro, e os poucos que não estão alinhados com os partidos estão confusos. Assim, vale mais a pena assumir as posições nas quais você acredita.

Mas a mudança do partido não é apenas de ideologia política, mas também em sua prática.

De um lado, o sucesso do Obamacare e de políticas relacionadas -milhões de pessoas agora têm cobertura por um preço substancialmente menor do que o esperado e o controle de custos do Medicare tem sido surpreendentemente eficaz- ajudou a defender o partido de afirmativas genéricas de que os programas de governo nunca funcionam. E, por outro lado, os democratas de Davos, que costumavam ser uma força poderosa argumentando contra políticas progressistas, perderam muito de sua credibilidade.

Estou me referindo ao tipo de pessoa -muitas, embora não todas, de Wall Street- que vão a muitas reuniões internacionais onde asseguram umas às outras que a prosperidade se baseia em competir na economia global e que isso significa apoiar acordos comerciais e cortar gastos sociais. Essas pessoas têm influência em parte por causa de suas contribuições de campanha, mas também por causa da crença de que realmente sabem como o mundo funciona.

Acontece que não sabem. Na década de 1990, os supostos sábios nos garantiram alegremente que não tínhamos nada a temer com a desregulamentação financeira; nós aceitamos. Após o golpe da crise, devida em grande parte justamente a essa desregulamentação, eles nos advertiram que devemos ter muito medo dos investidores em bônus, que puniriam os EUA por seus deficits orçamentais; o que eles não fizeram. Então por que acreditar neles quando insistem que devemos aprovar um acordo comercial impopular?

E essa perda de credibilidade significa que, se Clinton chegar à Casa Branca, ela vai governar muito diferente de seu marido na década de 1990.

Como eu disse, você pode descrever tudo isto como um movimento para a esquerda, mas há mais em jogo -e nem tudo é simétrico ao movimento republicano à direita. Os democratas estão adotando as ideias que funcionam e rejeitando as ideias que não funcionam, ao passo que os republicanos estão fazendo o oposto.

E não, eu não estou sendo injusto. O Obamacare, que certa vez foi uma ideia conservadora, está funcionando melhor do que até mesmo seus defensores esperavam; então os democratas estão comprometidos em defender suas realizações, enquanto os republicanos estão mais fanáticos do que nunca em seus esforços para destruí-lo. Os impostos modestamente mais altos sobre os ricos não prejudicaram a economia, enquanto as promessas que os cortes fiscais terão efeitos mágicos provaram-se desastrosamente erradas; assim, os democratas tornaram-se mais confortáveis com uma agenda modesta de taxar e gastar, enquanto os republicanos estão ainda mais agarrados à máquina de cortar impostos. E assim por diante.

É claro que as mudanças em ideologia só importam na medida em que possam influenciar as medidas adotadas. E, embora as chances eleitorais provavelmente favoreçam Clinton, e os democratas possam retomar o Senado, eles têm muito pouca chance de retomar a Casa. Assim, as mudanças no Partido Democrata podem demorar um pouco para mudar os EUA como um todo. Mas algo importante está acontecendo e, a longo prazo, vai importar muito.

Tradução: Deborah Weinberg