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O fim da sangria da Grécia

Paul Krugman

06/07/2015 11h34

A Europa escapou de um tiro no domingo. Confundindo muitas previsões, os eleitores gregos apoiaram com força seu governo, rejeitando as exigências dos credores. E até os mais ardentes defensores da União Europeia devem estar suspirando aliviados.

É claro que não é assim que os credores gostariam que você visse a coisa. Sua história, repetida por muitos na imprensa econômica, é que o fracasso de sua tentativa de pressionar a Grécia a aceitar foi uma vitóriada irracionalidade e da irresponsabilidade contra sólidos conselhos tecnocráticos.

Mas a campanha prepotente- a tentativa de aterrorizar os gregos cortando o financiamento bancário e ameaçando com o caos geral, tudo com o objetivo quase declarado de derrubar o governo de esquerda - foi um momento vergonhoso em uma Europa que afirma acreditar nos princípios democráticos. Se essa campanha tivesse sucesso, teria estabelecido um terrível precedente, mesmo que os credores estivessem sendo sensatos.

Além disso, eles não estavam. A verdade é que os autodenominados tecnocratas da Europa são como os médicos medievais, que insistiam em sangrar seus pacientes - e quando o tratamento deixava os pacientes mais enfermos, exigiam mais sangria. Um voto no "sim" na Grécia teria condenado o país a mais anos de sofrimento sob políticas que não funcionaram e que na verdade, por causa da aritmética, não podem funcionar: a austeridade provavelmente afunda a economia mais depressa do que reduz a dívida, de modo que todo o sofrimento não tem propósito. A vitóriaarrasadora do "não" oferece pelo menos uma possibilidade de escapar dessa armadilha.

Mas como tal escapada pode ser administrada? Há alguma maneira de a Grécia permanecer no euro? E isso é desejável, em todo caso?

A pergunta mais imediata envolve os bancos gregos. Antes do referendo, o Banco Central Europeu cortou o acesso deles a fundos adicionais, ajudando a precipitar o pânico e forçando o governo a impor um feriado bancário e controles de capital. O BCE hoje enfrenta uma opção desagradável: se retomar o financiamento normal, admitirá que o congelamento anterior foi político, mas se não o fizer efetivamente obrigará a Grécia a adotar uma nova moeda.

Especificamente, se o dinheiro não começar a fluir de Frankfurt (a sede do BCE), a Grécia não terá escolha senão começar a pagar salários e aposentadorias com notas promissórias, que de fato serão uma moeda paralela e em breve poderão se transformar no novo dracma.

Suponha, por outro lado, que o BCE retome os empréstimos normais e a crise bancária se acalme. Isso ainda deixa a questão de como restabelecer o crescimento econômico.

Nas negociações fracassadas que levaram ao referendo de domingo, o ponto central foi o pedido da Grécia de um perdão permanente da dívida, para remover a nuvem que paira sobre sua economia. A troica - as instituições que representam os interesses dos credores - recusou, apesar de hoje sabermos que um elemento da troica, o Fundo Monetário Internacional, tinha concluído de modo independente que a dívida da Grécia não pode ser paga. Mas eles irão reconsiderar, agora que a tentativa de tirar a coalizão de esquerda do governo fracassou?

Não tenho ideia - e em todo caso hoje há um forte argumento de que a saída da Grécia do euro é a menos ruim das opções.

Imagine por um instante que a Grécia nunca tivesse adotado o euro, que ela tivesse apenas definido o valor do dracma em termos de euros. O que a análise econômica básica diria que deve fazer agora? A resposta, de modo predominante, seria que ela deve se desvalorizar - deixar o dracma cair para incentivar as exportações e ao mesmo tempo romper o ciclo de deflação.

É claro que a Grécia não tem mais sua moeda própria, e muitos analistas costumavam afirmar que adotar o euro foi uma medida irreversível - afinal, qualquer sugestão de saída do euro provocaria corridas aos bancos devastadoras e uma crise financeira. Mas neste ponto essa crise financeirajá aconteceu, de modo que os maiores custos da saída do euro já foram pagos. Por que, então, não buscar os lucros?

A saída grega do euro funcionaria tão bem quanto a bem sucedida desvalorização da Irlanda em 2008-09, ou o abandono pela Argentina de sua política de um peso-um dólarem 2001-02? Talvez não - mas considere as alternativas. A menos que a Grécia receba um alívio da dívida realmente grande, e possivelmente mesmo assim, deixar o euro oferece a única rota de fuga plausível de seu interminável pesadelo econômico.

E sejamos claros: se a Grécia acabar saindo do euro, isso não significará que os gregos são maus europeus. O problema da dívida grega refletiu empréstimos irresponsáveis nos dois sentidos, e em todo caso os gregos já pagaram muitas vezes pelos pecados de seu governo. Se eles não conseguem tirar vantagem da moeda comum europeia, é porque essa moeda não oferece alívio para países em dificuldades. O importante agora é fazer o que seja necessário para deter a sangria.