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As tragédias americanas (não gregas) em Porto Rico e nos Apalaches

Paul Krugman

04/08/2015 00h03

Na última sexta-feira (31) o governo de Porto Rico anunciou que estava prestes a falhar em um pagamento de títulos. Ele alegou que por motivos técnicos jurídicos não seria uma moratória, mas essa é uma distinção que não faz diferença.

Então, Porto Rico é a Grécia americana? Não, e é importante compreender por quê.

A crise fiscal de Porto Rico é basicamente o subproduto de uma grave recessão econômica. O governo demorou para se ajustar à piora dos fundamentos, disfarçando o problema com empréstimos. E agora ele bateu no muro.

O que deu errado? Houve um tempo em que a ilha ia muito bem como centro fabril, reforçada em parte por uma isenção de impostos federais. Mas essa isenção expirou em 2006, e em todo caso as mudanças na economia mundial agiram contra Porto Rico.

Hoje em dia a manufatura favorece países com salários muito baixos, ou locais próximos aos mercados que podem aproveitar redes logísticas curtas para reagir rapidamente à mudança de condições. Mas os salários em Porto Rico não são baixos pelos padrões globais, e sua localização em uma ilha o coloca em desvantagem comparado não apenas com os EUA continentais, mas com lugares como o norte do México, de onde os produtos podem ser enviados rapidamente de caminhão.

A situação, infelizmente, é exacerbada pela Lei Jones, que exige que produtos que trafeguem entre Porto Rico e o território continental dos EUA usem navios, aumentando ainda mais o custo do transporte.

Assim, Porto Rico está no lugar errado na hora errada. Mas o negócio é o seguinte: enquanto a economia da ilha declinou acentuadamente, sua população, embora prejudicada, não sofreu nada parecido com as catástrofes que vemos na Europa. Veja, por exemplo, o consumo per capita, que caiu 30% na Grécia, mas na verdade continuou subindo em Porto Rico. Por que as consequências humanas dos problemas econômicos foram reduzidas?

A principal resposta é que Porto Rico faz parte da união fiscal dos EUA. Quando sua economia vacilou, seus pagamentos a Washington caíram, mas suas receitas de Washington - Seguridade Social, Medicare, Medicaid e outros --na verdade subiram. Assim, Porto Rico recebeu automaticamente ajuda em uma escala além de qualquer coisa concebível na Europa.

A situação de Porto Rico como parte dos EUA é totalmente boa? Um relatório recente encomendado pelo governo central afirma que sua economia é prejudicada por compartilhar o salário mínimo com os EUA, o que aumenta os custos, e também pelos benefícios federais que incentivam os adultos a deixarem a força de trabalho. Em princípio essas queixas podem estar certas. Em particular, quando economistas que defendem um salário mínimo maior nos EUA, como eu mesmo, geralmente concordam que poderia ser um problema se fosse definido alto demais em relação à produtividade --e a produtividade de Porto Rico está muito abaixo dos níveis do continente.

Mas a evidência de que os salários mínimos ou os benefícios sociais são realmente um problema é, como coloca um estudo cuidadoso embora mais antigo, "surpreendentemente frágil". De maneira notável, o baixo índice de participação da força de trabalho de Porto Rico provavelmente tem mais a ver com a emigração do que com o bem-estar social: quando as oportunidades de emprego secam, os trabalhadores jovens e capazes se mudam para outros lugares, enquanto os menos empregáveis continuam no lugar. Você vê o mesmo fenômeno na região dos montes Apalaches (leste dos EUA), onde o desaparecimento das minas de carvão induziu muitos trabalhadores a partir, enquanto a população restante utiliza pesadamente a rede de seguridade social.

E o quanto isso é realmente terrível? A rede de segurança existe para proteger as pessoas, e não os lugares. Se uma economia regional fica prejudicada pelas mudanças nas marés da globalização, bem, isso vai acontecer de vez em quando. O importante é que os trabalhadores sejam capazes de encontrar oportunidades em algum lugar, e que os que por algum motivo não conseguirem aproveitar essas oportunidades sejam protegidos das dificuldades extremas.

Existe, é claro, o problema de manter serviços públicos para os que ficam. Comparados com a Europa, os EUA se beneficiam enormemente de ter um orçamento nacional integrado --mas não integrado o suficiente para enfrentar choques regionais realmente grandes. E Porto Rico enfrenta certo risco de uma espiral mortífera em que a emigração dos residentes em idade ativa mina a base fiscal para os que ficam, e a deterioração dos serviços públicos leva a ainda mais emigração.

O que isso nos diz, por sua vez, é que mesmo para uma parte dos EUA o excesso de austeridade pode ser contraproducente. Seria em particular uma péssima ideia dar aos fundos de investimento que compraram grande parte da dívida de Porto Rico o que eles querem - basicamente, destruir o sistema educacional da ilha em nome da responsabilidade fiscal.

De modo geral, porém, a história porto-riquenha é uma de tempos ruins que chegam muito perto do desastre total. E a graça salvadora nessa situação é o governo grande --um sistema federal que fornece uma rede de segurança crucial para os cidadãos americanos em tempos de necessidade, onde quer que eles vivam.