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Fantasias e ficções dão o tom ao debate de pré-candidatos republicanos

Os pré-candidatos republicanos no debate da CNN. Da esq. para a dir.: Rick Santorum, George Pataki, Rand Paul, Mike Huckabee, Marco Rubio, Ted Cruz, Ben Carson, Donald Trump, Jeb Bush, Scott Walker, Carly Fiorina, John Kasich e Chris Christie - Sandy Huffaker/Getty Images/AFP
Os pré-candidatos republicanos no debate da CNN. Da esq. para a dir.: Rick Santorum, George Pataki, Rand Paul, Mike Huckabee, Marco Rubio, Ted Cruz, Ben Carson, Donald Trump, Jeb Bush, Scott Walker, Carly Fiorina, John Kasich e Chris Christie Imagem: Sandy Huffaker/Getty Images/AFP

Paul Krugman

18/09/2015 12h11

Estive revendo o que foi dito no debate republicano de quarta-feira (16) e fiquei apavorado. Você também deveria. Afinal de contas, dados os caprichos das eleições, há uma boa chance de que uma dessas pessoas termine na Casa Branca. 

Por que isso é assustador? Eu diria que todos os candidatos republicanos estão propondo políticas que seriam profundamente destrutivas no país, no exterior, ou em ambos. Mas mesmo que você goste das políticas republicanas modernas, ainda assim deveria ficar preocupado por aqueles homens e mulheres no palco estarem claramente vivendo em um mundo de fantasia e ficção. E alguns parecem dispostos a promover suas ambições com mentiras deslavadas. 

Vamos começar pelo mais evidente: a fantasia econômica dos candidatos estabelecidos. 

Você deve estar cansado de ouvir isso, mas o discurso econômico republicano moderno é completamente dominado por uma doutrina econômica -da importância soberana de baixos impostos sobre os ricos- que na prática fracassou inteiramente ao longo da última geração. 

Pense bem. O aumento de impostos de Bill Clinton foi seguido por um enorme boom econômico; os cortes de impostos de George W. Bush foram seguidos de uma fraca recuperação que terminou em colapso financeiro. O aumento de impostos de 2013 e a chegada do Obamacare em 2014 foram associados com o melhor crescimento do emprego desde os anos 90. A Califórnia de Jerry Brown, com mais impostos e consciência ambiental, está crescendo rapidamente; o Kansas de Sam Brownback, com o corte de impostos e de gastos, não. 

Ainda assim, este dogma fracassado da política republicana está mais forte do que nunca, e duvidar não é permitido. Na quarta-feira, Jeb Bush alegou, mais uma vez, que sua economia de vodu dobraria a taxa de crescimento dos EUA, enquanto Marco Rubio insistiu que um imposto sobre as emissões de carbono “destruiria a economia”. 

O único candidato que diSse algo com algum sentido sobre a economia foi, sim, Donald Trump, que declarou que “nós tivemos um sistema tributário graduado durante muitos anos, então não é uma coisa socialista”. 

Se a discussão sobre economia foi alarmante, a discussão da política externa foi praticamente demente. Quase todos os candidatos parecem acreditar que a força militar dos EUA pode levar outros países a fazerem o que quisermos, sem qualquer necessidade de negociação, e que nem devemos falar com os líderes estrangeiros dos quais não gostamos. Sem jantares para Xi Jinping! E, claro, nenhum acordo com o Irã, porque o recurso à força no Iraque funcionou tão bem. 

De fato, o único candidato que pareceu remotamente sensato sobre questões de segurança nacional foi Rand Paul, o que é quase tão perturbador quanto o espetáculo de ver Trump ser a voz da razão econômica. 

A verdadeira revelação de quarta-feira, no entanto, foi ver como alguns dos candidatos não apenas expuseram análises e fatos históricos enganosos como foram além e passaram a fazer afirmações falsas. Provavelmente, fizeram isso com conhecimento de causa, o que transforma uma afirmação falsa em algo tecnicamente conhecido como “mentira”. 

Por exemplo, Chris Christie afirmou, como fez no primeiro debate republicano, que foi nomeado procurador dos EUA no dia anterior ao 11 de Setembro. Continua não sendo verdade: sua seleção para o cargo só foi anunciada em dezembro.

A falsidade de Christie, no entanto, empalidece em comparação com a de Carly Fiorina, que foi amplamente aclamada como “vencedora” do debate. 

Algumas das lorotas de Fiorina envolveram a repetição de afirmações totalmente desacreditadas sobre seu histórico de negócios. Não, ela não presidiu sobre um enorme crescimento de receitas. Ela fez a Hewlett-Packard crescer por meio da aquisição de outras empresas, principalmente a Compaq, e essa aquisição foi um desastre financeiro. Ah, e se sua história de vida foi de “secretária a CEO”, a minha foi de carteiro para colunista e economista. Desculpe, o fato de ter feito trabalhos braçais enquanto você estava estudando não torna a sua vida uma história de Horatio Alger. 

Mas o momento verdadeiramente impressionante veio quando ela afirmou que os vídeos que estão sendo usados para atacar a Planned Parenthood mostram “um feto totalmente formado sobre a mesa, com o coração batendo, e as pernas chutando, enquanto alguém diz que temos de mantê-lo vivo para colher seu cérebro”. Não, isso não aparece nos vídeos. Os ativistas anti-aborto afirmam que essas coisas acontecem, mas não apresentaram elementos, apenas afirmações misturadas com vídeos de fetos. 

Então, será que Fiorina está tão afundada dentro da bolha que não consegue ver a diferença entre fatos e propaganda? Ou ela está deliberadamente espalhando uma mentira? E o mais importante, isso tem importância? 

Comecei a escrever para o “New York Times” durante a campanha eleitoral de 2000 e o que eu me lembro sobre essa campanha, acima de tudo, foi a forma como a convencional cobertura “imparcial” permitiu que o então candidato George W. Bush fizesse afirmações claramente falsas -sobre seus cortes de impostos, sobre a Previdência Social- sem pagar qualquer preço. Como escrevi na época, se Bush dissesse que a Terra era plana, as manchetes seriam algo assim: “Forma do Planeta: Ambos os Lados Têm seu Ponto”. 

Hoje temos candidatos presidenciais que fazem Bush parecer um Abe Lincoln. Mas quem vai dizer isso ao povo? 

Tradução: Deborah Weinberg