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Primavera para trambiqueiros que enganam colegas republicanos

Donald Trump fala durante o debate do Partido Republicano para presidência dos EUA, realizado na Universidade do Colorado, em Boulder, observado por Ben Carson - Mark J. Terrill/AP
Donald Trump fala durante o debate do Partido Republicano para presidência dos EUA, realizado na Universidade do Colorado, em Boulder, observado por Ben Carson Imagem: Mark J. Terrill/AP

Paul Krugman

30/10/2015 12h24

Em certo ponto do debate republicano na quarta-feira (28), Ben Carson foi indagado sobre seu envolvimento com a Mannatech, uma empresa de suplementos nutricionais que faz afirmações exageradas sobre seus produtos e teve de pagar US$ 7 milhões (cerca de R$ 27 milhões) para encerrar um processo por práticas enganosas.

O público vaiou e Carson negou seu envolvimento com a companhia. Ambas as reações falam muito sobre as forças que propulsionam a política americana moderna.

Afinal, Carson mentiu. Ele esteve de fato profundamente envolvido com a Mannatech, e fez muito para promover suas mercadorias. O site PolitiFact rapidamente classificou sua declaração como falsa, sem qualificação.

Mas a base republicana não quer ouvir falar nisso, e o candidato parece acreditar, e provavelmente está certo, em que ele pode simplesmente passar por cima disso. Hoje em dia, no partido dele, ser um óbvio trapaceiro não é uma desvantagem, pode até ser um ponto positivo.

E isso não vale só para candidatos forasteiros como Carson e Donald Trump. Políticos enfronhados como Marco Rubio estão simplesmente envolvidos em um tipo diferente, mais classudo, de golpe --e são reforçados em parte pelo modo como os trambiqueiros rebaixaram a definição de respeitabilidade.

Sobre os trambiqueiros: começando pelo nível mais baixo, em que os marqueteiros usam a afinidade política para vender esquemas de enriquecimento rápido, curas milagrosas e que tais. Esse é o fenômeno Carson, e é apenas o último exemplo de uma longa tradição.

Como documenta o historiador Rick Perlstein, uma "aliança estratégica de vendedores de óleo de cobra e verdadeiros fiéis conservadores" remonta a meio século. O marketing por mala-direta usando endereços obtidos em campanhas políticas deu lugar ao e-mail, mas o jogo continua o mesmo.

Em um nível um tanto mais alto estão campanhas de marketing mais ou menos ligadas ao que pretende ser análise política.

As advertências feitas pela direita de hiperinflação iminente, somadas a pedidos para voltarmos ao padrão ouro, foram disseminadas por figuras da mídia como Glenn Beck, que usou seu programa para promover Goldline, uma firma que vende moedas e barras de ouro por preços inflados. Certamente, Beck foi um apoiador veemente de Ted Cruz, que fez do retorno ao ouro uma de suas principais posições políticas.

Ah, e o ex-deputado Ron Paul, que passou décadas advertindo sobre a inflação disparada e não se abala pelo fato de que não se concretizou, está mergulhado no negócio de vender livros e vídeos que mostram como você também pode se proteger de virar um desastre financeiro.

Em um nível ainda mais elevado estão operações que são em princípio participar de atividade política, mas parecem estar principalmente gerando renda para seus organizadores.

Na semana passada, o "Times" publicou uma reportagem investigativa sobre alguns PACs (Comitês de Ação Política na sigla em inglês) que levantam dinheiro em nome de causas conservadoras anti-establishment.

A reportagem descobriu que o grosso do dinheiro que esses PACs angariam acaba cobrindo custos administrativos e honorários de consultores, e muito pouco vai para seus objetivos declarados. Por exemplo, só 14% do que o Fundo de Liderança do Tea Party gasta é "enfocado no candidato".

Você poderia pensar que tais revelações seriam politicamente devastadoras. Mas os alvos desses esquemas sabem, simplesmente, que não se pode confiar na mídia da corrente dominante liberal, que quando ela relata histórias negativas sobre heróis conservadores está simplesmente querendo suprimir as pessoas que contam a verdade real. É um laço fechado de informação, e não pode ser rompido.

E muita gente vive dentro desse laço fechado. Estimativas atuais dizem que Carson, Trump e Cruz juntos têm o apoio de aproximadamente 60% dos eleitores republicanos.

Além disso, o sucesso dos trambiqueiros tem um efeito profundo no partido como um todo. Como eu disse, rebaixa a definição de respeitabilidade.

Considere Rubio, que emergiu como o principal candidato convencional graças à total ineficácia de Jeb Bush. Houve um tempo em que a insistência de Rubio em que cortes fiscais de US$ 6 trilhões de algum modo seriam recompensados o teria marcado como profundamente leviano, especialmente diante da maneira como seu partido tem divulgado os males dos deficits orçamentários.

Até George W. Bush, durante a campanha de 2000, pelo menos fingia estar comprometido com a prática orçamentária convencional, restituindo parte de um superavit orçamentário projetado.

Mas a base republicana não se importa com o que diz a mídia da corrente dominante. Na verdade, depois do debate na quarta-feira a internet ficou cheia de afirmações de que John Harwood, um dos moderadores, mentiu sobre o plano fiscal de Rubio. (Não mentiu.) E em todo caso Rubio parece sensato, comparado com outros como Carson e Trump. Portanto, não há penalidade para suas fantasias fiscais.

A questão é que não devemos perguntar se o Partido Republicano eventualmente nomeará alguém que tem o hábito de dizer coisas que sejam mentiras demonstráveis, contando que seus seguidores políticos não vão perceber. A única pergunta é que tipo de trambique será.