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Reforçando a feiura

Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido da direita francesa - Pascal Rossignol/Reuters
Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido da direita francesa Imagem: Pascal Rossignol/Reuters

Paul Krugman

12/12/2015 00h01

Vivemos em uma era de notícias políticas que são muitas vezes chocantes, mas não surpreendentes. A ascensão de Donald Trump definitivamente cabe nessa categoria. E também o terremoto eleitoral que atingiu a França nas eleições regionais de domingo (6), quando a Frente Nacional, de direita, recebeu mais votos que os dois maiores partidos da corrente dominante.

O que esses acontecimentos têm em comum? Ambos envolviam figuras políticas que aproveitaram o ressentimento de um bloco de eleitores xenófobos e/ou racistas que estiveram aí o tempo todo. A boa notícia é que esses eleitores são uma minoria; a má é que é uma minoria bem grande, dos dois lados do Atlântico.

Se você está se perguntando de onde vem o apoio a Trump ou a Marine Le Pen, chefe da Frente Nacional, você não esteve prestando atenção. Mas por que esses eleitores estão fazendo tanto barulho agora? Seu número aumentou? Talvez, mas não está claro. Mais importante, eu diria, é que as estratégias que as elites usaram tradicionalmente para abafar esses eleitores raivosos afinal falharam.

Deixe-me começar pelo que está acontecendo na Europa, porque é menos conhecido pelos leitores americanos e porque é, de certa maneira, uma história mais simples que a dos EUA.

Meus amigos europeus sem dúvida dirão que estou simplificando demais, mas, de uma perspectiva americana, parece que o establishment europeu tentou congelar a direita xenofóbica, não apenas para fora do poder político, mas de qualquer papel no discurso aceitável. Para ser um político europeu respeitável, seja de esquerda ou de direita, é preciso aceitar o projeto europeu da união cada vez mais cerrada, do livre movimento de pessoas, fronteiras abertas e regulamentos harmônicos. Isto não deixa espaço para nacionalistas de direita, apesar de o nacionalismo de direita sempre ter tido um substancial apoio popular.

O que o establishment europeu talvez não tenha percebido, porém, é que sua capacidade de definir os limites do discurso repousa na percepção de que ele sabe o que está fazendo. Até admiradores e defensores do projeto europeu (como eu) têm de admitir que ele nunca teve um profundo apoio popular ou grande legitimidade democrática. É sobretudo um projeto da elite, vendido amplamente sob a alegação de que não há alternativa, que é o caminho da sabedoria.

E não há nada como o mau desempenho econômico duradouro, do tipo acarretado pela austeridade europeia e as obsessões pela moeda forte, para minar a reputação de competência da elite. É provavelmente por isso que um estudo recente encontrou um constante relacionamento histórico entre as crises financeiras e a ascensão da extrema-direita. E a história está se repetindo.

Nos EUA, a história é bem diferente, porque o Partido Republicano não tentou isolar o tipo de pessoas que votam, na França, na Frente Nacional. Não, ele tentou explorá-las, mobilizando seu ressentimento com mensagens disfarçadas para vencer as eleições. Essa foi a essência da "estratégia sulina" de Richard Nixon e explica por que o "Bom e Velho Partido" recebe a maioria avassaladora dos votos no sul dos EUA.

Mas existe um forte elemento de atração enganosa nessa estratégia. Sejam quais forem as mensagens cifradas emitidas durante a campanha, quando o Partido Republicano chegou ao poder, adotou como prioridade servir aos interesses de uma pequena e rica elite econômica, especialmente por meio de grandes cortes de impostos, uma prioridade que continua intacta, como se pode ver examinando os planos fiscais dos candidatos presidenciais do establishment neste ciclo.

Mais cedo ou mais tarde, os brancos irritados que formam uma grande fração, talvez até a maioria, da base republicana deverão se rebelar, especialmente porque hoje em dia grande parte da liderança do partido parece fechada e fora de contato. Eles parecem, por exemplo, imaginar que a base apoia os cortes na Seguridade Social e no Medicare, uma prioridade da elite que não tem nada a ver com os motivos pelos quais os brancos de classe média votam em republicanos.

Então, lá vem Donald Trump dizendo diretamente as coisas que os candidatos do establishment tentam transmitir em sugestões codificadas e fáceis de desmentir, e parecendo que ele realmente acredita nelas. E dispara ao topo das pesquisas. Chocante, sim, mas nada surpreendente.

Só para esclarecer: ao oferecer estas explicações sobre a ascensão de Trump e Le Pen, não estou inventando desculpas para o que eles dizem, que continua excessivamente feio e muito distante dos valores de duas grandes nações democráticas.

O que estou dizendo, entretanto, é que essa feiura foi reforçada pelos próprios establishments que agora parecem tão horrorizados pela aparentemente rápida virada dos fatos. Na Europa, o problema são a arrogância e a rigidez de figuras da elite que se recusam a aprender com o fracasso econômico; nos EUA, é o cinismo dos republicanos que utilizaram o preconceito para reforçar suas perspectivas eleitorais. E agora ambos enfrentam os monstros que ajudaram a criar.