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Esta coluna não é patrocinada por ninguém

15/05/2012 00h02

Lendo o novo livro de Michael Sandel, filósofo da Universidade Harvard, “What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets” (“O Que o Dinheiro Não Pode Comprar: Os Limites Morais dos Mercados”), eu me vi diversas vezes virando as páginas e dizendo: “Eu não fazia a menor ideia disso.”

Eu não fazia a menor ideia de que, em 2000, conforme observa Sandel, “um foguete russo pintado com um gigantesco emblema da Pizza Hut fez propaganda no espaço”, ou de que, em 2001, a escritora britânica Fay Weldon redigiu um livro encomendado pela companhia de joias Bulgari e que, mediante pagamento, “a autora concordou em mencionar as joias da Bulgari no romance pelo menos 12 vezes”.

Eu sei que atualmente os estádios são batizados com nomes de corporações, mas eu não fazia ideia de que hoje em dia “até mesmo o ato de marcar pontos nos jogos envolve patrocínio corporativo”, conforme diz Sandel. “A seguradora New York Life Insurance Company fechou um negócio com dez equipes da primeira divisão de beisebol no sentido de ativar uma propaganda especial toda vez que um jogador marca pontos. Quando o jogador chega em segurança à base do campo, uma logomarca corporativa surge na tela da televisão e uma voz diz, “Seguro em casa, Segurança. New York Life”.

E embora eu soubesse que jogadores de beisebol aposentados vendem os seus autógrafos por US$ 15 cada, eu não fazia ideia de que Pete Rose, que foi banido do beisebol para sempre por fazer apostas, tinha um website que, segundo Sandel, “vende objetos vinculados ao seu banimento. Por US$ 299, mais despesas relativas a embalagem e remessa, você pode comprar uma bola de beisebol autografada por Rose contendo o pedido de desculpas: 'Sinto muito por ter apostado no beisebol'. Por US$ 500, Rose enviará uma cópia autografada do documento que o baniu do esporte”.

Eu não fazia ideia de que, em 2001, uma escola primária de Nova Jersey tornou-se a primeira escola pública dos Estados Unidos a “vender os direitos sobre o seu nome a um patrocinador corporativo”, afirma Sandel. “Em troca de uma doação de US$ 100 mil de um supermercado local, ela rebatizou a sua quadra poliesportiva de 'ShopRite of Brooklawn Center'... Uma escola de segundo grau em Newburyport, no Estado de Massachusetts, ofereceu direitos sobre o seu nome ao gabinete do diretor por US$ 10 mil... Em 2011, sete Estados haviam aprovado a exibição de propagandas nas laterais de ônibus escolares”.

Vistos de forma isolada, essas operações de propaganda comercial parecem ser inócuas. Mas Sandel vê nelas sinais de uma tendência muito negativa: “No decorrer das últimas três décadas nós deixamos de ser uma economia de mercado para nos tornarmos uma sociedade de mercado. Uma economia de mercado é uma ferramenta --um instrumento valioso e efetivo-- para organizar a atividade produtiva. Mas uma 'sociedade de mercado' é um lugar no qual tudo está à venda. Isso se constitui em um estilo de vida no qual os valores de mercado governam todas as esferas da vida”, diz Sandel.

E por que deveríamos nos preocupar com essa tendência? Porque, conforme Sandel argumenta, os valores de mercado estão erradicando as práticas cívicas. Quando as escolas públicas são cobertas por propagandas comerciais, elas ensinam os alunos a serem consumidores, e não cidadãos. Quando nós terceirizamos a guerra para que ela seja feita por empresas militares privadas, e quando contamos com filas exclusivas e mais curtas na segurança dos aeroportos para aqueles que têm como pagar por isso, o resultado é que as pessoas afluentes passam a ter vidas separadas daquelas que têm rendimentos modestos, e as instituições de mistura de classes e os espaços públicos que forjam um senso de experiência comum e de cidadania compartilhada acabam sendo erodidos.

Essa penetração dos mercados em todos os aspectos da vida foi em parte um resultado do fim da Guerra Fria, argumenta Sandel, quando a vitória dos Estados Unidos foi interpretada como sendo uma vitória dos mercados irrestritos, alimentando dessa maneira a ideia de que os mercados são os instrumentos primários para a obtenção do bem público. Isso foi também o resultado do fato de os norte-americanos desejarem mais serviços públicos do que aquilo pelo qual estão dispostos a pagar na forma de impostos, o que acabou convidando as corporações a preencher a lacuna com quadras esportivas como aquela fornecida pelo ShopRite.

Sandel é atualmente um renomado professor da Universidade Harvard, mas nós nos tornamos amigos quando crescemos juntos em Mineápolis na década de 60. Os nossos pais nos levaram para os jogos da World Series de 1965, quando os Dodgers venceram os Twins em sete partidas. Em 1965, as melhores entradas para o Metropolitan Stadium custavam US$ 3, e as entradas para as arquibancadas comuns US$ 1,50. A entrada para uma cadeira na terceira fila, paga pro Sandel para a World Series, custou US$ 8. Mas hoje em dia não só a maioria dos estádios tem nome de companhias, mas os ricos também sentam-se nos camarotes exclusivos 'skyboxes' --até mesmo em jogos universitários-- que custam dezenas de milhares de dólares por temporada, enquanto que o público comum fica debaixo de chuva.

Em todas as esferas da nossa sociedade, nós estamos perdendo os locais e as instituições que eram utilizados para unir pessoas de diferentes classes sociais. Sandel chama isso de 'skyboxização da vida norte-americana”, e a tendência é alarmante. A menos que ricos e pobres se encontrem na vida cotidiana, será difícil imaginar que possamos nos engajar em um projeto comum. Em um momento no qual, para consertar a nossa sociedade, precisamos fazer juntos coisas grandes e difíceis, essa “marketização” da vida pública acaba se transformando em mais uma força a nos separar.

“O grande debate que está faltando na política contemporânea diz respeito ao papel e ao alcance dos mercados”, diz Sandel. “Nós deveríamos estar questionando em que instâncias o mercado atende ao bem-estar público e identificar aqueles setores aos quais ele não pertence. E deveríamos também estar tentando descobrir como reconstruir as instituições que promovem a mistura de classes.”

“A democracia não exige uma igualdade perfeita”, conclui Sandel. “Mas ela exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum... Isso porque é dessa forma que nós aprendemos a negociar e a tolerar as nossas diferenças e a dar importância ao bem comum.”