Topo

Um país maravilhoso

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu (à dir.) e o ator Mariano Idelman em um dos quadros do programa "Eretz Nehederet", em abril de 2013 - Reprodução/Facebook
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu (à dir.) e o ator Mariano Idelman em um dos quadros do programa 'Eretz Nehederet', em abril de 2013 Imagem: Reprodução/Facebook

Em Tel Aviv, Israel

04/02/2014 00h01

Um dos programas mais populares da TV israelense é chamado de “Eretz Nehederet” ou “Um País Maravilhoso”. Eretz Nehederet é um show de comédia que vive de tirar sarro dos políticos israelenses e dos absurdos da vida no país. Recentemente, o programa abriu sua temporada 2014 com um desenho animado que mostrava um belo e multicolorido jardim repleto de flores com uma borboleta flanando sobre ele. Então, de repente, um muro de concreto é erguido em torno do jardim – essa imagem já havia sido utilizada pelo produtores do programa no ano passado. Mas, nesta temporada, de dentro do muro surgiu também uma redoma de vidro que isolou totalmente esse Jardim do Éden.

Essa cena é digna de nota por dois motivos: há muito tempo eu acredito que o conflito entre árabes e israelenses está para a guerra global entre as civilizações da mesma maneira que o circuito off-Broadway está para a Broadway. O conflito entre esses dois povos é um pequeno laboratório no qual as tendências são testadas pela primeira vez, ou são aperfeiçoadas, para, em seguida, passarem para o estágio global – dos sequestros de aviões e atentados suicidas perpetrados por homens-bomba até a tentativa, por meio da força e da reconstrução, de transformar um inimigo tradicional em um parceiro de negociações (Israel no Líbano, em 1982, e com os palestinos durante o processo de paz de Oslo, além dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão).

Por isso, é útil perguntar: o que está em cartaz no circuito off-Broadway no momento? O que estamos vendo? Nós estamos vendo Israel – da mesma maneira que no esquete do programa “Eretz Nehederet” – literalmente tentando se fechar em um muro para se defender das ameaças que têm se multiplicado e lutando contra todos os dilemas éticos que isso implica. E nós também estamos vendo uma região mais ampla, que não é mais dividida entre fronteiras pró-EUA e pró-soviéticos, entre socialistas ou capitalistas, entre seculares ou religiosos. Em vez disso, nós vemos uma região cada vez mais dividida entre o “mundo da ordem” e “o mundo da desordem”.

O que Israel, Jordânia, Arábia Saudita, Curdistão, Turquia, os países do Golfo Pérsico e, até mesmo em menor grau, a Autoridade Palestina da Cisjordânia, têm em comum é que esses locais são ilhas de ordem, onde pelo menos há alguém para atender o telefone – e ninguém fica surpreso quando isso acontece – e há um mínimo de segurança para as pessoas.

Hoje em dia, essa afirmação é menos verdadeira para a Síria, a Líbia, o Egito, o Iêmen, o Líbano e o Iraque , para não mencionar as vizinhas Somália, Eritreia e o norte e o sul do Sudão.
Adivinhe quantos imigrantes africanos, principalmente do sul do Sudão, da Eritréia e de Uganda, entraram em Israel nos últimos anos e estão vivendo no país ilegalmente: 54 mil!

Passeie da Estação Rodoviária Central de Tel Aviv, onde muitos encontraram abrigo, e você verá africanos falando em seus celulares pelas ruas. Eles navegaram, caminharam ou dirigiram até as fronteiras de Israel e se esgueiraram por conta própria ou foram contrabandeados por beduínos através do Deserto do Sinai, no Egito. Esse é o motivo pelo qual Israel construiu sua última barreira, ao longo da fronteira entre Israel e o Sinai.

O Sinai está tão fora de controle que, na semana passada, militantes islâmicos derrubaram um helicóptero militar egípcio na região com um míssil terra-ar que deve ter sido contrabandeado da Líbia após os arsenais de Muamar Gadafi terem sido pilhados durante sua derrubada.

Eu conversei com um eritreu cristão – “Mark”, de 26 anos – que abriu um cibercafé e uma loja improvisada de roupas perto da estação rodoviária. Sentado sob um cartaz que exibia o rosto de Bob Marley, ele me disse que fugiu do brutal governo da Eritréia rumo à Etiópia e, em seguida, dirigiu-se ao Sudão e à Líbia. Mark tentou navegar para a Itália, mas foi deportado e, finalmente, partiu em direção a Israel. Atualmente, ele está vivendo em Israel ilegalmente com seu pai, pois, segundo ele, Israel é “mais seguro”.

Eu fico imaginando se o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas, as crescentes demandas educacionais relacionadas à administração de uma economia bem sucedida, o super-empoderamento dos indivíduos para que se organizem como militantes ou se unam contra governos corruptos e os estresses ambientais e populacionais não estão colocando uma pressão insuportável sobre estados frágeis – em particular sobre os estados multissectários e multitribais –, pressão que está literalmente acabando com eles. E hoje não há União Soviética nem Estados Unidos para mantê-los unidos e coesos, como durante a Guerra Fria.

Os mapas de PowerPoint que atualmente os assessores militares israelenses usam para falar sobre o Sinai, Gaza, o Líbano e a Síria consistem em círculos multicoloridos e, dentro de cada um deles, há conjuntos de diferentes grupos armados. Israel é como uma placa de Petri (nota da tradutora: recipiente cilíndrico, achatado, de vidro, metal ou plástico que os profissionais de laboratório utilizam para a cultura de micróbios) do novo mundo, com atores não-governamentais, armados com mísseis, vestidos como civis e aninhados entre civis em quatro de suas cinco fronteiras: Sinai, Gaza, Líbano e Síria.

Eu compreendo por que tudo isso faz com que até mesmo alguns dos líderes militares israelenses moderados fiquem desconfiados em relação a uma retirada da Cisjordânia. Mas o status quo não é neutro. Israel tem que fazer todo o possível para evitar transformar-se em uma espécie de estado binacional artificial – com uma minoria hostil morando bem ao lado – caso decida ficar permanentemente agarrado à Cisjordânia e seus 2,5 milhões de palestinos. Isso é exatamente o que está acontecendo com os países que fazem parte do mundo em desordem. E é por isso que o sucesso da missão de paz liderada por John Kerry é tão importante para israelenses e palestinos.

Nós não queremos nos ver no meio dessas guerras. Esse não é o campo de batalha no qual seu avô lutou. Quando o inimigo está aninhado em casas e apartamentos e ninguém usa um uniforme, mas todo mundo tem uma câmera de celular, tem-se um desafio estratégico e moral de verdade – como os Estados Unidos descobriram com suas próprias guerras de drones. É difícil derrotar esse inimigo sem matar um monte de civis. Não é por acaso que cada brigada israelense tem agora um consultor jurídico.

Isso é o que está em cartaz no circuito off-Broadway hoje. Tome nota. Essa programação poderá chegar logo, logo a um teatro perto de você.