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A Terceira Intifada

Manifestantes palestinos lançam pedras contra policiais israelenses durante confronto após as orações de sexta-feira próximo à Porta dos Leões, na cidade antiga de Jerusalém - 7.fev.2014 - Ammar Awad/Reuters
Manifestantes palestinos lançam pedras contra policiais israelenses durante confronto após as orações de sexta-feira próximo à Porta dos Leões, na cidade antiga de Jerusalém Imagem: 7.fev.2014 - Ammar Awad/Reuters

Em Ramallah (Cisjordânia)

08/02/2014 00h01

Há algum tempo eu venho me perguntando por que a Terceira Intifada não ocorreu. Ou seja, não houve o terceiro levante palestino na Cisjordânia.

O primeiro deles ajudou a impulsionar o processo de paz de Oslo, e o segundo --com mais munição verdadeira do lado israelense e ataques suicidas do lado palestino-- levou ao colapso de Oslo. Os palestinos dão muitas explicações para o fato: eles são muito pobres, muito divididos, estão muito cansados ou perceberam que essas revoltas, no final das contas, lhes fizeram mais mal do que bem, especialmente a segunda delas.

Mas, quando se está aqui na Cisjordânia, fica óbvio que uma Terceira Intifada está em andamento. Essa sempre foi a intifada que Israel mais temeu, pois ela não envolverá pedras ou homens-bomba, mas será movida pela resistência não-violenta e pelo boicote econômico.

Mas essa Terceira Intifada não é realmente liderada pelos palestinos de Ramallah. Ela é liderada pela União Europeia, em Bruxelas, e por outros oponentes da ocupação israelense da Cisjordânia em todo o mundo. Independentemente de sua origem, no entanto, ela está se tornando uma verdadeira fonte de alavancagem para os palestinos em suas negociações com Israel.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, foi recentemente denunciado por líderes israelenses por advertir publicamente que o boicote e a campanha para deslegitimar Israel só vai ficar mais forte se as negociações de paz atualmente em curso falharem. Mas Kerry está certo.

O ministro da Fazenda de Israel, Yair Lapid, disse à rádio do exército israelense na segunda-feira passada que, se nenhuma solução de dois estados for alcançada com os palestinos, “isso afetará o bolso de todos os israelenses”. A economia de Israel depende das exportações agrícolas e da tecnologia proveniente da Europa e dos investimentos europeus em seu setor de alta tecnologia. De acordo com Lapid, mesmo um boicote limitado, que restrinja em 20%, as exportações de Israel para a Europa, custaria a Israel mais de US$ 5 bilhões por ano, além de milhares de empregos. É por isso que ele acrescentou: “Israel não vai conduzir sua política com base em ameaças. Mas fingir que as ameaças não existem ou que elas não são sérias ou ainda que elas não estão acontecendo diante de nós, também não é uma atitude séria”.

Recentemente, o jornal israelense Haaretz informou que a maior empresa de gestão de fundos de pensão da Holanda, a PGGM “decidiu retirar todos os seus investimentos dos cinco maiores bancos de Israel, pois eles têm filiais na Cisjordânia e/ou estão envolvidos em financiamentos para a construção dos assentamentos”. E o jornal Jerusalem Post informou que o Danske Bank, o maior banco da Dinamarca, decidiu boicotar o Banco Hapoalim, de Israel, por “razões éticas e legais” relativas a suas operações nos assentamentos.

Essa Terceira Intifada, na minha opinião, tem muito mais potencial para ter um efeito de longo prazo, pois, ao contrário das duas primeiras, ela coincide com a oferta do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e faz parte de um acordo de dois estados, que deixaria as tropas israelenses permanecerem na Cisjordânia durante cinco anos à medida que elas realizassem uma retirada gradual do território, retornando às fronteiras de 1967 e, em seguida, deixando as forças da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), lideradas pelos EUA, preencherem qualquer possível vazio estratégico para tranquilizar Israel.

Em outras palavras: a Terceira Intifada se baseia em uma estratégia que visa a fazer os israelenses se sentirem estrategicamente seguros, mas moralmente inseguros.

As duas primeiras intifadas falharam por nunca terem incluído um mapa com uma solução de dois estados ou medidas de segurança. Isso porque elas foram, mais do que qualquer outra coisa, violentas explosões de raiva contra a ocupação israelense. Mas não é possível fazer a maioria silenciosa de Israel mudar de opinião quando você os faz sentir inseguros estrategicamente e moralmente seguros, que foi o que o Hamas fez com seus bombardeios malucos contra Israel depois que o país se retirou de Gaza. Muito poucos israelenses se incomodaram em revidar. Já o presidente Anwar Sadat, do Egito, conseguiu tudo o que queria ao fazer os israelenses se sentirem estrategicamente seguros, mas moralmente inseguros, se ficassem com as terras egípcias.

Essa Terceira Intifada também está ganhando força por causa da saída de cena de dois líderes importantes: Nelson Mandela e o ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Para Israel, Ahmadinejad era a desculpa perfeita: um presidente iraniano que negava o Holocausto e rejeitava os esforços mundiais que pretendiam obrigar o Irã a suspender a produção de uma bomba nuclear. Era difícil gostar dele. A substituição de Ahmadinejad por Hassan Rouhani, que é simpático às negociações e reconhece o Holocausto, é muito mais problemática para Israel. Mas minha intuição também me diz que a morte de Mandela deixou muitos de seus seguidores ávidos por encontrar de formas para honrar seu legado e dar continuidade a seu trabalho. Em alguns campi universitários, esses seguidores encontraram uma maneira: boicotar Israel até que o país encerre a ocupação da Cisjordânia.

Os israelenses têm o direito de suspeitar que alguns dos organizadores do boicote estão usando essa causa como um disfarce para o antissemitismo, dada a forma como os crimes de Israel são destacados. Mas isso não significa que instalar 350 mil colonos na Cisjordânia e fazer vistas grossas para dezenas de assentamentos irregulares – que até mesmo Israel considera “ilegais” – seja do interesse de Israel ou algo inteligente a se fazer.

Se Israel realmente quisesse retardar essa campanha de boicote, teria que declarar que, enquanto Kerry estiver tentando forjar um acordo e exista esperança de sucesso, Israel congelará todas as atividades relacionadas aos assentamentos para dar à paz sua melhor chance. Eu sei que isso é improvável. Mas uma coisa eu sei com certeza: essas críticas incessantes a Kerry feitas pelos ministros israelenses e a exigência destes de que os palestinos suspendam todos os “estímulos a enfrentamentos e protestos” – desde que Israel fique livre para continuar construindo assentamentos debaixo do nariz dos palestinos – não estão fazendo Israel atrair simpatias na Europa ou nos Estados Unidos. Tudo isso só está alimentando ainda mais os organizadores do boicote.