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A grande pergunta de Israel

Netanyahu pede que os palestinos reconheçam Israel como "o Estado-nação do povo judeu" - Eric Piermont/AFP
Netanyahu pede que os palestinos reconheçam Israel como "o Estado-nação do povo judeu" Imagem: Eric Piermont/AFP

Thomas L. Friedman

13/02/2014 00h01

Escrevi uma série de colunas de Israel nas últimas duas semanas porque acredito que se o secretário de Estado John Kerry levar sua missão de paz a um clímax e apresentar aos partidos um claro esquema de acordo Israel e a população judia enfrentarão uma das opções mais críticas de sua história. E quando o fizerem Israel poderá se transformar em um inferno. É importante compreender por quê.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, não sem motivo, está pedindo que os palestinos reconheçam Israel como "o Estado-nação do povo judeu", confirmando que se Israel lhes ceder um Estado na Cisjordânia haverá dois Estados para dois povos. Mas para que Netanyahu receba uma resposta para essa pergunta ele terá de dar uma resposta para uma pergunta que perturba os israelenses e que eles têm evitado desde a guerra de 1967 que os reconectou com o território do antigo Israel, na Cisjordânia, conhecido pelos judeus como Judeia e Samaria. A pergunta é: "O que é o Estado-nação do povo judeu?"

Kerry, ao constantemente tornar inevitável a resposta para essa pergunta, colocou todo o sistema político israelense em um debate ininterrupto, com alguns ministros atacando asperamente Kerry e desancando Netanyahu por ter posto a pergunta na mesa - como se a situação atual fosse sustentável e satisfatória.

Por exemplo, Kerry observou recentemente em uma conferência em Munique que se as negociações de paz atuais falharem "há uma crescente campanha de deslegitimação que vem ganhando força (contra Israel). As pessoas são muito sensíveis a ela. Fala-se em boicote e outras coisas".

Alguns ministros israelenses e líderes judeus americanos atacaram Kerry pelo que, segundo eles, foi sua tentativa de usar o movimento BDS - "boicotes, desinvestimento e sanções" - como um clube para pressionar Israel a fazer mais concessões. Eu discordo totalmente. Kerry e o presidente Barack Obama estão tentando construir para os israelenses uma saída segura da estrada em que eles avançam pela Cisjordânia e que só termina em alguns lugares realmente ruins para Israel e para o povo judeu.

Eu gosto da colocação de Gidi Grinstein, fundador do Instituto Reut, uma entidade sem fins lucrativos que trabalha sobre os problemas mais espinhosos da sociedade israelense: "Estamos em um momento crítico de nossa história - e muito mais significativo do que muitos percebem". Desde 1936, "o movimento sionista tentou estabelecer uma maioria soberana judia e democrática em Sion, e portanto acabou aceitando o princípio de dois Estados para dois povos: um Estado judeu e um Estado árabe". Embora haja um poderoso movimento de colonos israelenses que gostariam de absorver a Cisjordânia hoje, o Estado de Israel continuou dizendo ao mundo e ao povo judeu que, sob as condições de segurança certas, cederia o controle desse território ocupado e seus 2,5 milhões de palestinos e forjaria um acordo de dois Estados.

Se a missão de Kerry falhar - porque ou os israelenses ou os palestinos ou ambos recuarem -, ele irá tácita ou explicitamente declarar que sua solução de dois Estados não é mais viável e que "ela mergulharia Israel em um paradigma totalmente diferente", disse Grinstein, que recentemente escreveu o livro "Flexigidity: The Secret of Jewish Adaptability" ['Flexigidez': o segredo da adaptabilidade judaica].

Isso forçaria Israel a tomar um de três caminhos ruins: uma retirada unilateral de partes da Cisjordânia ou anexação e concessão da cidadania aos palestinos, tornando Israel um Estado binacional. Ou, se não fizer nada disso, Israel poderia se tornar um tipo de Estado de apartheid, no controle permanente dos 2,5 milhões de palestinos. Não há outras opções.

Mas o que essas três opções têm em comum, notou Grinstein, é que elas levariam a uma "erupção maciça do movimento BDS" e "o movimento BDS no fundo não tem a ver com as políticas de Israel, mas com a existência de Israel: eles querem que Israel desapareça. O que mantém o movimento BDS contido é que ainda estamos no paradigma da solução de dois Estados". Se esse paradigma continuar, ele acrescentou, não apenas o movimento BDS começará com um novo ímpeto, como a linha entre ele e as pessoas que, em todo o mundo, são realmente apenas críticas da ocupação da Cisjordânia por Israel ficará imprecisa.

Além disso, ser "o Estado-nação do povo judeu" significa que os valores de Israel não podem divergir acentuadamente dos valores da diáspora judaica (a vasta maioria dos judeus americanos vota nos liberais) ou dos valores dos EUA - o único verdadeiro aliado de Israel. Grinstein acrescentou: "Se isso acontecer, a relação entre Israel e os EUA e os judeus americanos se tornará inevitavelmente polarizada".

Para evitar isso, ninguém espera que Israel ceda tudo o que os palestinos pedem ou aceite fronteiras inseguras ou dê aos palestinos um passe livre para seus excessos. E Kerry não está pedindo isso. Israel deveria negociar firmemente e proteger seus interesses. "Mas Israel precisa ser visto como comprometido de maneira verossímil a pôr fim a seu controle dos palestinos na Cisjordânia", concluiu Grinstein, de outro modo não terá apenas um problema com o BDS, mas eventualmente com os EUA e um segmento crescente dos judeus americanos - "transformando Israel de uma força de união para os judeus em uma força de desunião".

Assim, a resposta ao plano de Kerry, quando ele vier, tem a ver com algo muito profundo: o que é o Estado-nação do povo judeu - e como os judeus no exterior e no mais próximo aliado de Israel, os EUA, se relacionarão com ele no futuro?

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves