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As três faces do presidente Obama

Thomas L. Friedman

18/03/2014 00h01

O presidente Barack Obama certamente é o primeiro presidente a ser acusado de atuar, em matéria de política externa, como Poliana (personagem do romance homônimo de Eleanor H. Porter), John Waye (ator americano de filmes de faroeste, morto em 1979) e Henry Kissinger (ex-secretário de Estado dos Estados Unidos de Richard Nixon), tudo no mesmo mês.

Desde que o presidente russo Vladimir Putin se apropriou do território da Crimeia, conservadores vêm denunciando Obama como um homem que não vê como este mundo é realmente impiedoso, hobbesiano. Ele é uma Poliana – sempre vendo o lado bom das pessoas.

Enquanto isso, progressistas vêm criticando Obama pelo que seria seu irresponsável hábito de abusar de drones, uma vez que ordenou a matança do alto de centenas de indivíduos; ele é John Wayne, um justiceiro contra aqueles que tenham prejudicado, ou que possam estar planejando prejudicar, os Estados Unidos.

E, como se não bastasse, Obama foi acusado por críticos à esquerda e à direita de ser um hiperpragmático kissengeriano que se contenta em assistir ao regime sírio esmagando seu povo, pois, por mais trágica que seja a situação, os interesses americanos na região são mínimos.

Não deve ser fácil ser Poliana, John Wayne e Henry Kissinger ao mesmo tempo. Então quem Obama – realmente – é na política externa? Eu diria que é menos Poliana do que seus críticos alegam, e mais John Wayne e Henry Kissinger do que ele gostaria de admitir, mas ainda indefinido no que diz respeito aos maiores desafios de liderança na política externa – que vão além da Crimeia, mas que já despontam no horizonte.

Se Obama foi um guerreiro relutante na Crimeia, é porque por muito tempo ela foi parte da Rússia e sede de uma base naval russa, com boa parte de seu povo simpático à Rússia. Obama teve razão ao empregar as sanções limitadas que temos em resposta à captura da Crimeia por parte de Putin e ao tentar usar de diplomacia friamente para evitar uma guerra maior sobre a Ucrânia – porque outras forças estão em jogo além de Putin.

Não se deve subestimar o tamanho do papel de bobo que Putin fará na Crimeia este fim de semana – na frente do mundo inteiro – e de como isso sairá pela culatra para a Rússia, cuja moeda e mercados de ações estão sofrendo como resultado da aventura de Vladimir na Crimeia.

Putin organizou, praticamente da noite para o dia, um referendo de secessão sobre o futuro da Crimeia – sem permitir nenhum tempo de campanha para a oposição. Ele está sendo realizado sob a ocupação militar russa, violando a Constituição da Ucrânia, com duas opções de fato nas cédulas: “Vote 1 se você quiser fazer parte da Rússia” ou “Vote 2 se você realmente quiser fazer parte da Rússia”. Isso não é atitude de um líder forte e confiante. Até segunda-feira, ele deve ter sua própria hastag no Twitter: #Putinfarce [farsa de Putin].

E se Obama tem sido um pragmático kissingeriano com sua relutância em mergulhar na guerra civil síria, ou na Ucrânia, é porque ele aprendeu com o Iraque e o Afeganistão que a existência de vilões nesses países não significa que seus opositores sejam todos mocinhos. Muitos líderes nesses países acabaram se revelando mais interessados em usar sua liberdade para saquear do que para libertar.

Se surgirem reformistas autênticos na Síria ou na Ucrânia devemos ajudá-los, mas, diferentemente do senador John McCaine, a maioria dos americanos não estão mais dispostos a fazer papel de tolos diante de qualquer um que nos diga o que queremos ouvir (ver o exemplo de Hamid Karzai), e agora já não querem assumir o resgate e a conta de gás de países que sequer entendemos.

Quanto a John Wayne Obama, “o drone mais rápido do Oeste”, todo presidente americano precisa um pouco disso no mundo de hoje, onde agora há legiões de pessoas furiosas e super-empoderadas que desejam o mal dos Estados Unidos e que têm acesso a mísseis e vivem em espaços sem governo.

Então não tenho nenhum problema com Obama como John Wayne ou Henry Kissinger. Se você quiser criticá-lo ou elogiá-lo quanto à política externa, os verdadeiros testes recaem em duas categorias: 1) Quão bom ele é em liderar por trás na questão da Ucrânia? E 2) Quão bom ele é em liderar pela frente na questão da Rússia, do Irã e da China?

Provavelmente não há como salvar a Crimeia de Putin a curto prazo, mas não queremos vê-lo ir além da Crimeia e absover as partes do leste da Ucrânia onde residem os russófonos. Deveríamos estar prontos para oferecer armas ao governo ucraniano para evitar isso. Mas nunca devemos perder vista do fato de que a chave para manter o resto da Ucrânia longe das garras da Rússia dependerá da capacidade de os ucranianos se unirem de uma forma que inclua tanto a maioria, que vê seu futuro junto à União Europeia, quanto a minoria de russófonos que ainda sentem alguma afinidade pela Rússia.

Se da tragédia ucraniana surgir uma Ucrânia unida – buscando uma democracia não-corrupta aliada à Europa – contra um Putin tentando reintegrar à força a Ucrânia a um império russo, Putin perderá. Mas se os ucranianos ficarem divididos, se ali dominarem partidos ultranacionalistas e os pró-russos forem alienados, Putin desqualificará o movimento de libertação da Ucrânia e usará essas discórdias para justificar suas próprias intervenções. Então nossa ajuda será inútil. Não podemos ajudá-los se eles mesmos não se ajudarem. Os ucranianos já desperdiçaram um quarto de século não se organizando como fez a Polônia.

As três grandes questões que Obama deve liderar a partir da linha de frente são: mudar o caráter do governo da Rússia, evitar que o Irã fabrique a bomba nuclear e evitar uma guerra no Mar do Sul da China entre Pequim e Tóquio. Eu deixaria a China e o Irã para mais tarde.

Mas quanto à Rússia, eu fui veementemente contra a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) porque eu achava na época, e ainda acho, que não há nenhum grande problema geopolítico que possa ser resolvido sem a cooperação da Rússia. Isso requer uma Rússia que não defina sua grandeza se opondo a nós e recriando o império soviético, mas sim libertando a grandeza de seu povo. Está ficando cada vez mais claro que nunca seremos a Rússia de Putin, que equivale a corrupção em grande escala, uma repressão cada vez maior e uma relação desequilibrada com o Ocidente. Putin está buscando dinidade para a Rússia agora em todos os lugares – e jeitos – errados. Mas somente o povo da Rússia pode substituir o putinismo.

A forma como os Estados Unidos e a União Europeia ajudarão, o que levará tempo, é criando novas políticas de energia que diminuirão a dependência da Europa do gás russo – o leite matereno do putinismo. Mas nós, americanos, também precisamos trabalhar mais duro para tornar nosso país um exemplo persuasivo de capitalismo e de democracia, não somente a camisa suja mais limpa do mundo no que diz respeito à nossa economia, e não somente a melhor democracia que o dinheiro pode comprar no que diz respeito à nossa política.

A coisa mais importante que poderíamos fazer para melhorar as perspectivas de democracia no mundo “é consertar nossa democracia em casa”, disse Larry Diamond, um especialista em democracia na Universidade Stanford. “A narrativa do declínio americano e a disfunção democrática prejudica o esplendor da democracia no mundo e as decisões do povo de decidir que esse é um modelo digno de ser imitado. Isso nós podemos mudar. Se não reformarmos e consertarmos a democracia nos Estados Unidos, ela terá problemas no mundo todo.”