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Ao invadir a Crimeia, Putin oferece uma bênção disfarçada

Ao invés de uma corrida armamentista, Putin (à esq.) e Obama poderiam inaugurar uma corrida por energia limpa e sustentável - Jewel Samad/AFP
Ao invés de uma corrida armamentista, Putin (à esq.) e Obama poderiam inaugurar uma corrida por energia limpa e sustentável Imagem: Jewel Samad/AFP

Thomas L. Friedman

21/03/2014 00h01

Há uma grande quantidade de pessoas que parece querer retomar a Guerra Fria - em Moscou e em Washington. Eu não sou uma delas. Mas se nós vamos ter uma nova Guerra Fria, então eu tenho uma condição: eu quero uma nova corrida tecnológica.

A corrida espacial e as tecnologias que ela produziu não foram puramente um desdobramento da disputa de mísseis EUA-União Soviética, mas certamente foram movidas por essa competição. Bem, se nós vamos voltar a este estado de coisas, desta vez eu quero uma Corrida à Terra.

Quero que os EUA liderem no desenvolvimento de uma política energética que enfraqueça a autocracia de petróleo e gás do presidente russo, Vladimir Putin e, como subproduto, produza as tecnologias que irão mitigar as alterações climáticas e tornem os Estados Unidos um líder moral e tecnológico que assegure que a próxima geração possa prosperar aqui na Terra.

E ao contrário do debate estímulo/déficit, no caso da energia há hoje uma base para um “Grande Acordo” entre democratas e republicanos - se o presidente Barack Obama quiser tentar forjá-lo. Seria a primeira grande proposta estratégica de energia. É chocante ver como a política de energia dos EUA tem sido desprovida de intenção estratégica. Os dois partidos políticos, repetidamente, deixaram nossa economia refém de déspotas do petróleo do Oriente Médio e da América Latina e sujeita às altas e baixas de energia.

Segundo Hal Harvey, CEO da Energy Innovation, os principais ingredientes para uma nova estratégia de energia dos EUA, seriam: em primeiro lugar, “otimizar energias que sejam acessíveis, confiáveis e limpas -e não um aspecto em detrimento do outro”. Em segundo lugar, “tirar proveito de novas tecnologias. Finalmente temos a capacidade de construir um sistema de energia do qual nos orgulhar. Ao optarmos por esse futuro, vamos estimular ainda mais as tecnologias que fornecem energia realmente acessível, confiável e limpa”. Em terceiro lugar, “assegurar que a nossa abundância de gás natural de fato inaugure um futuro verdadeiramente limpo”.

Aqui vai o acordo que Obama deve oferecer aos republicanos e democratas da indústria do petróleo: “Vocês realmente querem abrir o país para a exploração de gás natural? Vocês realmente querem ter a liberdade de exportar petróleo e gás para os mercados globais - desde que seja consistente com nossos interesses nacionais - e afetar os mercados globais de forma que possam enfraquecer putinismo? Vocês realmente querem o oleoduto de Keystone? Tudo bem, vamos lhes conceder tudo isso. E em troca vocês vão nos dar uma ponte para um futuro de energia limpa e segura para os EUA”.

Harvey argumenta que tal acordo deveria incluir o seguinte: em primeiro lugar, para garantir que o gás natural seja uma benção e não uma maldição, a indústria de petróleo e gás –e os congressistas controlados por ela - têm que aceitar a imposição de regras nacionais para a extração de gás natural com base nas melhores práticas, incluindo estratégias que eliminam o vazamento de metano, que é um gás de efeito estufa muito mais potente do que o dióxido de carbono.

Em segundo lugar, precisamos definir um padrão nacional de energia limpa para a eletricidade. Uma abordagem comum é exigir que as distribuidoras aumentem a fração de sua eletricidade de fontes de zero emissão de carbono - como eólica, solar ou nuclear - em 2% ao ano, por exemplo. Tal norma cria um mercado para as energias renováveis, o que reduz os custos e ajuda a assegurar que o gás natural seja um combustível de transição de substituição do carvão, e não em substituição à energia solar, eólica e outras fontes de energia limpas. Trinta Estados têm alguma variante desta norma, que tem tido um enorme sucesso em estimular o desenvolvimento de novas tecnologias.

Em terceiro lugar, temos que acelerar a geração de tecnologias de eficiência energética e energia limpa fortalecendo nossos programas de pesquisa e desenvolvimento para que atinjam os níveis que eles merecem, provavelmente o triplo de hoje. Esta será a fonte da nossa vantagem de longo prazo.

Em quarto lugar, temos que impor um imposto de neutralidade em carbono - uma ideia republicana defendida por um dos estadistas mais respeitados dos Estados Unidos, George Shultz, secretário de Estado de Ronald Reagan - que viria substituir os impostos sobre a folha de pagamento e os impostos corporativos.

Eu não gosto do projeto de Keystone. Extrair petróleo das areias de alcatrão leva a emissões de carbono ainda mais altas do que a perfuração e devasta a paisagem. Mas se a aprovação desse projeto for o preço a se pagar para uma política verdadeiramente revolucionária de energia limpa, então concordo. Não é possível vencer o jogo de interesses sem uma troca, mas tem que ser uma troca inteligente.


Este seria um grande acordo no setor de energia que faria avançar o nosso crescimento, a segurança nacional e a política climática. Com o tempo, se fosse combinado com esforços semelhantes por parte de nossos aliados da Otan, reduziria drasticamente a capacidade de Putin de chantagear seus vizinhos usando a energia.

Também protegeria os americanos dos choques de preços, já que tanto o sol quanto o vento são gratuitos; e tornaria muito mais resistentes os nossos agricultores, as nossas cidades costeiras e nosso sistema de saúde pública, inclinando a nossa política energética no sentido de explorar a nossa vantagem -a tecnologia- em vez do petróleo.

Nader Mousavizadeh, um dos fundadores da Macro Advisory Partners, lembrou recentemente o que um executivo de uma empresa de energia dos EUA uma vez lhe disse: “A única coisa que nunca estará em falta é a tecnologia”. Precisamos usar a nossa força.

Eu odiaria ver Obama passar os próximos dois anos e meio apenas contando inscrições no HealthCare.gov. Ele precisa reconhecer que a aventura de Putin na Crimeia criou a oportunidade para um projeto de legado que levaria os EUA para um futuro de energia limpa - um movimento que nos tornaria mais fortes, deixaria Putin mais fraco, e o mundo, mais seguro.