Topo

Vá em frente, Vladimir, me faça ganhar o dia

Thomas L. Friedman

15/04/2014 00h01

Então, a última notícia é que o presidente Vladimir Putin, da Rússia, ameaçou desligar o fornecimento de gás à Ucrânia se Kiev não pagar sua conta atrasada. A propósito, os gasodutos da Ucrânia são a rota de trânsito para 15% do consumo de gás para a Europa. O fato de eu realmente estar torcendo para que Putin vá em frente e desligue o gás faz de mim um sujeito mau?

Porque estou torcendo justamente por isso, e ficaria feliz em subsidiar a Ucrânia nos momentos difíceis. Porque tamanho choque energético, embora perturbador no curto prazo, poderia ter o mesmo impacto de longo prazo que o embargo do petróleo árabe de 1973 – até mais intenso. Aquele embargo de 1973 levou às primeiras normas de consumo dos automóveis nos EUA e impulsionou as indústrias de energia solar, eólica e de eficiência energética. Um embargo por parte de Putin hoje seria ainda mais valioso, porque iria acontecer num momento em que as indústrias de gás natural, energia solar, eólica e de eficiência energética estão todas prontas para decolar e aumentar de escala. Então Vladimir, faça-nos um favor, fique louco, desligue o fornecimento de petróleo e o gás para a Ucrânia e, melhor ainda, para toda a Europa. Embargue! Você terá um grande dia, e o resto do planeta terá um grande século.

“A energia limpa está em um ponto de inflexão”, explica Hal Harvey, presidente da Energy Innovation. “As reduções de preços dos últimos cinco anos foram simplesmente espetaculares: o custo das células solares, por exemplo, caiu mais de 80% nos últimos cinco anos. Esta tendência está ocorrendo de forma um pouco menos dramática para a eólica, baterias, iluminação de estado sólido, novas tecnologias de janelas, transmissão de veículos, gerenciamento de redes e muito mais. O que isto significa é que a energia limpa está deixando de ser algo para poucos e se tornando comum, o que abre um leque de oportunidades.”


As casas novas na Califórnia hoje usam três quartos da energia que usavam há 25 anos, acrescentou Harvey. As empresas Chevrolet, Dodge e Ford estão em uma disputa para fabricar a picape mais eficiente - porque seus clientes querem gastar menos com gasolina - e assim estão implantando motores novos e carrocerias mais leves. O Texas hoje tem energia eólica suficiente para abastecer mais de 3 milhões de casas. Nova Jersey gera mais watts solares por pessoa do que a Califórnia.

E confira a Opower, que acaba de se tornar empresa pública. A Opower trabalha junto às empresas de energia e aos consumidores de forma a reduzir o uso da energia elétrica e o valor das contas usando a mudança comportamental, explicou Alex Laskey, co-fundador da empresa, em seu escritório em Arlington, Virgínia. Eles fazem isso enviando às pessoas comunicações personalizadas que mostram em termos simples e claros como o seu próprio consumo de energia se compara com aquele de seus vizinhos. Depois que as pessoas entendem de que forma estão desperdiçando energia - e como é o seu gasto em comparação com seus vizinhos - muitas começam a consumir menos. E, na medida em que o consumo cai, as concessionárias podem atender à demanda de seus clientes sem ter que construir novas usinas para atender os momentos de pico em certos dias do ano. Todo mundo sai ganhando. A Opower acaba de assinar contrato com a Tokyo Electric Power Co. e seus 20 milhões de lares.

Juntando todos os seus clientes desde que foi fundada em 2007, a Opower já economizou cerca de “4 terawatts-hora de energia” e espera em breve estar poupando essa quantia anualmente, disse Laskey. O Hoover Dam produz cerca de 4 terawatts-hora de energia por ano. Então, nós conseguimos um novo Hoover Dam -de graça- em Arlington, Virgínia.

Um embargo de gás por parte de Putin também reforçaria a mensagem do mais recente relatório da Organização das Nações Unidas sobre o clima, do Conselho Intergovernamental sobre Mudança do Clima, que avisou com mais força do que nunca que as emissões de carbono pelos seres humanos estão provocando o derretimento de cada vez mais gelo, criando um aumento do nível do mar mais perigoso, estressando os ecossistemas ao redor do globo e criando maior acidificação dos oceanos, que estão absorvendo mais C02, o que representa “um desafio fundamental para os organismos e ecossistemas marinhos”.

Domingo, às 22 horas, o canal Showtime começará a transmitir uma série de nove episódios chamada “Anos Vivendo Perigosamente”, sobre como os estresses ambientais e climáticos afetam as pessoas reais. O primeiro episódio apresenta Harrison Ford confrontando as autoridades da Indonésia sobre o desmatamento descontrolado em um de seus parques nacionais; Don Cheadle seguindo os evangélicos no Texas na luta entre sua fé e o que está acontecendo ao seu ambiente, e este colunista explorando como a seca prolongada na Síria contribuiu para a revolta no país. O nono episódio é uma entrevista em profundidade com o presidente Barack Obama sobre questões ambientais e climáticas.

Perguntei a Harrison Ford, membro de longa data do conselho do grupo Conservação Internacional, se sua participação no documentário o fez sentir que era tarde demais.

“Não é tarde demais; não pode ser tarde demais”, disse ele. “É tarde demais para ensinar nossos filhos a diferença entre o certo e o errado? Se não estamos prontos para corrigir algo que está acontecendo em nosso tempo de vida responsável, como podemos esperar que nossos filhos façam algo sobre isso?”, questionou Ford. E acrescentou:"Lembre-se, a natureza vai ficar muito bem sem nós. A natureza não precisa das pessoas. As pessoas precisam da natureza. É por isso que não podemos salvar a nós mesmos sem salvarmos a natureza”.

Ford está certo. Nós ainda podemos fazer isso. Estamos mais perto dos perigos irreversíveis no clima e de soluções em grande escala de tecnologia limpa do que as pessoas imaginam. Um pouco de liderança agora por parte dos EUA -ou um pequeno susto por Putin- faria uma grande diferença.