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Não é a mesma história de sempre

Thomas L. Friedman

17/04/2014 00h01

À primeira vista, o artigo no “The Jerusalem Post” da semana passada parecia ser a mesma história de sempre: uma fotografia da base das Forças de Defesa de Israel depredada na Cisjordânia. Em seguida, uma citação do ministro da Defesa, Moshe Yaalon: “O Estado de Israel não tolerará tal atividade criminosa, que equivale a terrorismo em todos os aspectos”. Esses palestinos nunca vão parar.

Mas espere um instante. Yaalon não estava se referindo a terroristas palestinos. Ele estava falando de terroristas judeus, colonos renegados que cortaram os pneus de um jipe das Forças de Defesa estacionado no assentamento de Yitzhar, depois que os soldados israelenses foram demolir construções ilegais. “Os colonos entraram em confronto com as forças de segurança durante a demolição de segunda-feira à noite e feriram levemente seis policiais”, informou o “Post”. “Um grupo de 50 a 60 colonos, em seguida, invadiu uma base do Exército localizada a oeste do assentamento, destruindo geradores, equipamentos militares, aquecedores e tanques de diesel”. O ministro da Justiça de Israel, Tzipi Livni, advertiu que os colonos extremistas haviam passado dos limites: “Está surgindo uma ideologia que não reconhece o Estado de Direito, que não nos reconhece nem aquilo que representamos”.

Estas pequenas histórias contam outra maior: Nós não estamos lidando mais com a Israel do seu avô, e eles não estão lidando mais com os EUA da sua avó. Os tempos importam, e os quase 50 anos que se passaram desde a guerra de 1967 transformaram os dois lados de maneiras que ninguém quer reconhecer - mas que ficam claras com o mais recente impasse nas negociações.

Israel, de sua parte, tornou-se uma sociedade mais religiosa – hoje em dia, nas noites de sexta-feira em Jerusalém, você mal vê um carro em movimento nas ruas em bairros judeus, o que só costumava acontecer no Yom Kippur - e os colonos claramente ficaram mais atrevidos. Muitos colonos da Cisjordânia respeitam o Estado, mas agora existe um núcleo crescente de fanáticos armados, que combatem as forças de defesa quando estas tentam removê-los. Você não foi ao acampamento de verão com esses judeus. Você não os encontra em sua sinagoga reformista local. Este é um núcleo duro.


Mas até mesmo os colonos mais mansos são mais dominantes do que nunca no partido Likud e no corpo de oficiais do Exército israelense. Não é uma ficção dizer que hoje o primeiro-ministro do Likud, Benjamin Netanyahu, representa o “centro” do bloco de direita de Israel. E não foi por acaso que o ministro da Habitação de Israel, Uri Ariel, que vem de um partido pró-assentamentos à direita do Likud, aprovou uma proposta de 700 casas no bairro de Gilo em Jerusalém, cruzando a Linha Verde – justo quando as negociações de paz do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, estavam avançando. Como disse o ministro Livni, negociador-chefe de Israel: “O ministro Ariel fez o que fez de propósito, com a intenção de bombardear” as negociações de paz.

Existem hoje cerca de 350 mil judeus vivendo na Cisjordânia. Foram necessários 50 mil policiais e soldados israelenses para retirar 8.000 colonos da faixa de Gaza. Temo que as dificuldades na Cisjordânia para fazer a paz hoje são pesadas demais para a política convencional ou a diplomacia. A resistência dos colonos só poderia ser superada com um primeiro-ministro - e com a maioria de Israel - realmente animados com as perspectivas de paz ou verdadeiramente assustados com a alternativa.

Não acredito, contudo, que Netanyahu deixará de ser ambivalente. E a sua ambivalência é reforçada por vários fatores: Israel, hoje, é um país muito mais poderoso, econômica e militarmente, que os palestinos; as forças de segurança israelenses (e palestinas) efetivamente acabaram com os homens-bomba palestinos e o lobby de Israel em Washington eliminou qualquer pressão da Casa Branca ou do Congresso. Israel nunca esteve tão protegido.

Mas estes tampouco são os palestinos de seu avô. Há uma geração jovem emergente cada vez mais descrente das negociações de seus pais com os judeus, que nem deseja reconhecer Israel como um “Estado judeu” e preferiria exigir o direito de votar em uma solução de um Estado.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mudaram. Houve um tempo, em 1970 e 1980, quando o destino do Oriente Médio era fundamental para a nossa economia. Afinal, houve um embargo do petróleo árabe em 1973. E, estrategicamente, o Oriente Médio era visto como a arena mais suscetível de desencadear uma guerra nuclear entre os EUA e a União Soviética. Os acordos de paz nos tempos de Henry Kissinger eram uma necessidade. Hoje são um hobby. Não é um passatempo sem importância: se israelenses e palestinos voltarem à guerra, certamente tornaria uma região instável ainda mais instável, criando inúmeras dificuldades para os EUA. Mas urgente? Os EUA vão se tornar o maior produtor mundial de petróleo em 2015, e a União Soviética não existe mais.

A verdade é que a missão de Kerry não é tanto um gesto estratégico, mas sim um ato de profunda amizade. São os EUA tentando salvar Israel de tendências que, inevitavelmente, vão prejudicá-lo como um Estado judeu democrático. Mas Kerry é o último de uma velha guarda. No governo Obama, aqueles que pensam que ele está em uma missão suicida refletem a nova atitude dos EUA para a região. E aqueles em Israel que o denunciam como um incômodo refletem a nova forma de pensar em Israel.

Kerry, na minha opinião, está fazendo o trabalho de Deus. Mas o peso do tempo e de todas as mudanças que ele trouxe pode simplesmente ser demasiado para tal ato de amizade. Se ele desistir, porém, israelenses e palestinos vão se arrepender profundamente, e logo.