Topo

O livro de política externa de Obama

28.mai.2014 - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez uma ampla defesa de sua política externa durante a cerimônia de formatura na academia militar de West Point - Mike Groll/AP
28.mai.2014 - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez uma ampla defesa de sua política externa durante a cerimônia de formatura na academia militar de West Point Imagem: Mike Groll/AP

Thomas L. Friedman

Em Sulaimaniya (Iraque)

03/06/2014 00h04

Quando o presidente Barack Obama se sentar para escrever suas memórias de política externa, ele poderá ficar tentado a usar como título de seu livro as quatro palavras que ele costuma usar de forma privada para resumir a doutrina Obama: "Não Faça Coisas Estúpidas" (com "coisas" às vezes dita de forma mais colorida).

Até o momento, ela não serviu mal ao país – lute quando precisar, conserte o que puder, trabalhe com os aliados sempre que possível, mas nunca esqueça que o uso da força não é o único critério para seriedade – considerando, como Obama notou em um discurso na semana passada, que as guerras que nos custaram mais caro foram aquelas nas quais saltamos sem a preparação apropriada, aliados e "sem expor de forma clara ao povo americano o sacrifício necessário".

Logo, "Não Faça Coisas Estúpidas" certamente funcionaria como título do livro hoje. Mas sentado aqui no Curdistão – uma verdadeira ilha de decência perto o epicentro daquela que é agora a maior guerra civil no planeta, entre sunitas e xiitas, de estendendo do Irã ao Iraque, da Síria ao Líbano– eu acho que Obama futuramente optará por um título diferente: "Presente na Desintegração".

Quem estava no cargo era Obama quando o mundo se desfez de mais formas do que qualquer outro presidente já enfrentou. George H.W. Bush lidou habilmente com o colapso da União Soviética. Bill Clinton foi o primeiro presidente que teve que disparar mísseis de cruzeiro contra uma pessoa – Osama Bin Laden no Afeganistão – na primeira batalha entre uma superpotência e um sujeito enfurecido superempoderado.

Quando esse sujeito superempoderado atacou nossa pátria em 11 de setembro de 2001, George W. Bush respondeu com duas invasões.

Obama teve que enfrentar a culminação de todas essas tendências e mais: o ricochete de ambas as invasões; uma Rússia fraca, humilhada, mas ainda perigosa; uma guerra de drones (aeronaves não tripuladas) contra muito mais homens enfurecidos do Iêmen ao Paquistão; a desintegração simultânea dos Estados árabes tradicionais e a nuclearização do Irã; além do declínio das "esferas de influência" ditadas pelas potências tradicionais de cima, e a ascensão das "pessoas de influência" a partir das praças e redes sociais abaixo. Essas pessoas das praças desafiaram tudo, da esfera de influência da Rússia na Ucrânia ao direito dos militares egípcios pró-Estados Unidos de continuarem governando o Egito.

Lidar com tudo isso ao mesmo tempo tem sido um desafio tático e de doutrina, especialmente quando combinado com um público americano exausto e uma recessão econômica minando os gastos militares.

Obviamente, Obama preferiria que suas memórias da política externa se chamassem "Presente na Reintegração" – ao forjar uma nova ordem pró-Ocidente estável. Mas isso é muito mais difícil hoje do que os críticos de Obama admitem. Ei, era relativamente fácil ser um herói da política externa quando o principal projeto era a dissuasão de outra superpotência. Apenas seja resoluto e gaste mais que eles em defesa. Onde isso ainda é necessário, com a Rússia e a China, Obama se saiu bem.

Mas quando grande parte da política externa envolve lidar com países que estão se desintegrando ou toda uma região engolfada em guerra civil – e as únicas soluções reais não envolvem dissuasão, mas a transformação de sociedades muito diferentes da nossa, que carecem dos blocos de construção necessários e quando já gastamos US$ 2 trilhões nesses projetos no Iraque e Afeganistão com pouco resultado para mostrar– a noção de que Obama pode estar um pouco desconfiado de se envolver mais profundamente na Síria não me parece loucura.

Eu nunca acreditei que apenas mais um pouco de armas no início para os "democratas" sírios teria bastado para derrubar o presidente Bashar Assad e tudo estaria bem. Os xiitas/alauitas na Síria nunca teriam partido em silêncio, e Irã, Rússia e o Hizbollah se certificariam disso. E alguém acredita que a Arábia Saudita, nossa principal aliada no combate sírio, está tentando promover a mesma coisa que nós, uma democracia pluralista, que é precisamente o que os sauditas não permitem em seu próprio país?

Sim, estando no Curdistão, está claro que a metástase do conflito sírio chegou a um ponto em que está se transformando em uma fábrica para milhares de jihadistas da Europa, Ásia Central, Rússia, do mundo árabe e até mesmo da América, que estão aprendendo, como um líder curdo sírio me disse, "a decepar cabeças e então voltar para casa". O conflito também é, como um especialista em segurança curdo iraquiano acrescentou, uma forma de legitimar o deslocamento da Al Qaeda "das cavernas do Afeganistão para o mundo árabe" como defensores do Islã sunita. Essas são grandes ameaças.

Mas quando pergunto aos curdos o que fazer, a resposta que ouço é que armar sírios decentes, como Obama prometeu fazer, poderia ajudar a arrastar Assad para a mesa de negociação, mas que "não há uma solução militar convencional" – nem xiitas e nem sunitas derrotarão decisivamente um ao outro, comentou um ex-vice-primeiro-ministro do Iraque, Barham Salih. "Mas dar as costas não é mais possível." A Síria está gerando instabilidade demais agora.

A única solução, eles dizem, é Estados Unidos e Rússia (qual provável seria isso!) mediar um acordo de divisão de poder na Síria entre a Arábia Saudita, Turquia, Irã e seus representantes. Repita depois de mim: não há solução militar para a Síria – e Irã e Rússia precisam fazer parte de qualquer solução diplomática. Essas são as opções de política externa desagradáveis, nada românticas e totalmente a longo prazo que o mundo real precisa atualmente. Um pouco de humildade, por favor.