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Cinco princípios para o Iraque

Thomas L. Friedman

17/06/2014 01h00

A desintegração do Iraque e da Síria está virando de cabeça para baixo uma ordem que definiu o Oriente Médio por um século. É um evento imenso, e nós, como um país, precisamos pensar muito cuidadosamente sobre como responder. Tendo voltado do Iraque duas semanas atrás, meu próprio pensamento é guiado por cinco princípios, e o primeiro é que, no Iraque de hoje, o inimigo do meu inimigo é meu inimigo. Fora os curdos, nós não temos amigos nessa luta. Nem líderes xiitas e nem líderes sunitas que encabeçam a guerra no Iraque no momento compartilham nossos valores.

Os jihadistas, baathistas e milicianos tribais sunitas, que lideraram a tomada de Mosul do governo iraquiano, não são apoiadores de um Iraque democrático e pluralista, o único Iraque que temos interesse em apoiar. E o primeiro-ministro xiita do Iraque, Nouri al-Maliki, também provou não ser amigo de um Iraque democrático e pluralista. Desde o primeiro dia, ele usou seu cargo para colocar xiitas em cargos de segurança cruciais, expulsou políticos e generais sunitas e direcionou dinheiro para as comunidades xiitas. Resumindo, Al-Maliki é um idiota completo. Além de primeiro-ministro, ele nomeou a si mesmo como ministro da Defesa, ministro do Interior e conselheiro de segurança nacional, e seus comparsas também controlam o Banco Central e o Ministério das Finanças.

Al-Maliki tinha uma opção, governar de forma sectária ou de forma inclusiva, e optou pelo sectarismo. Nós não lhe devemos nada.

O segundo princípio para mim vem da questão mais importante que precisamos responder a respeito da Primavera Árabe. Por que os dois Estados que estão se saindo melhor são aqueles com menor envolvimento dos Estados Unidos: Tunísia e a região semiautônoma do Curdistão do Iraque?

Resposta: acredite se quiser, nem tudo é a respeito do que fazemos e das escolhas que fazemos. Árabes e curdos também têm autoridade. E o motivo para tanto a Tunísia quanto o Curdistão terem construído ilhas de decência, certamente ainda frágeis, é porque as grandes forças políticas adversárias em cada um desses lugares acabaram optando pelo princípio do "sem vitorioso, sem derrotado".

Os dois principais partidos rivais no Curdistão não apenas fizeram as pazes, como também abriram o caminho para eleições democráticas, que levaram pela primeira vez ao governo um partido de oposição em rápida ascensão, que concorreu com uma plataforma anticorrupção. E a Tunísia, após muita luta interna e derramamento de sangue, encontrou uma forma de equilibrar as aspirações dos secularistas e islamitas e concordar com a Constituição mais progressista na história do mundo árabe.

Daí minha regra: o Oriente Médio só coloca um sorriso no seu rosto quando isso parte deles, quando eles tomam a iniciativa da reconciliação. Por favor, me poupe de outra dose de tudo depende de quem treinamos e armamos. Sunitas e xiitas não precisam de nossas armas. Eles precisam da verdade. É o início do século 21 e muitos deles ainda estão brigando a respeito de quem é o herdeiro por direito do profeta Maomé, do século 7º. Isso precisa parar – para que eles e seus filhos tenham algum futuro.

O princípio Nº3: talvez o Irã, e seu matreiro comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária, o general Qassem Suleimani, não sejam tão espertos. Foi o Irã que armou seus aliados xiitas iraquianos com bombas que mataram e feriram muitos soldados americanos. O Irã queria a nossa retirada. Foi o Irã que pressionou Al-Maliki a não assinar um acordo com os Estados Unidos para dar às nossas tropas cobertura legal para permanência no Iraque. O Irã queria ser a potência hegemônica regional. Bem, Suleimani: "Um brinde a você." Agora suas forças estão sobrecarregadas na Síria, Líbano e Iraque, enquanto as nossas voltaram para casa. Tenha um bom dia.

Nós ainda queremos chegar a um acordo nuclear que impeça o Irã de desenvolver uma bomba, então temos que ser cuidadosos a respeito de quanto devemos ajudar os adversários sunitas do Irã. Mas com o Irã ainda sob sanções e suas forças e o Hizbollah atualmente combatendo n Síria, Líbano e Iraque, bem, vamos apenas dizer que a vantagem é americana.

Quarto: liderança importa. Enquanto estava no Iraque, eu visitei Kirkuk, uma cidade que há muito é disputada por curdos, árabes e turcomanos. Quando estive lá há cinco anos, era uma zona de guerra infernal. Desta vez eu encontrei ruas pavimentadas, parques e uma economia florescente e um governador curdo, Najimaldin Omar Karim, que foi reeleito em abril em uma eleição justa, e conquistou mais cadeiras graças aos votos das minorias de árabes e turcomanos.

"Nós nos concentramos em melhorar as estradas, o trânsito terrível, os hospitais, as escolas" e em aumentar o fornecimento de energia elétrica de quatro horas por dia para quase 24 horas, disse Karim, um neurocirurgião que trabalhou nos Estados Unidos por 33 anos, antes de retornar ao Iraque em 2009. "As pessoas estavam cansadas de política e do radicalismo. Nós conquistamos a confiança dos árabes e turcomanos em relação a um governador curdo. Eles sentem que não discriminamos. Esta eleição foi a primeira vez que turcomanos e árabes votaram em um curdo."

No caos recente, os curdos agora assumiram controle militar pleno de Kirkuk, mas posso lhe dizer isto: se Al-Maliki governasse o Iraque como Karim governa Kirkuk, nós não teríamos o problema que temos hoje. Com a liderança certa, as pessoas ali podem viver juntas.

Finalmente, apesar de nenhum dos principais atores no Iraque, fora os curdos, estar lutando por nossos valores, algum deles está lutando por nossos interesses: um Iraque minimamente estável que não nos ameace? E quem poderíamos ajudar? As respostas ainda não estão claras para mim e, até que estejam, eu teria muita cautela em relação a uma intervenção.