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Verdadeira luta no Oriente Médio é entre incendiários e bombeiros

Thomas L. Friedman

The New York Times

01/07/2014 00h01

Qual é atualmente a verdadeira luta no Oriente Médio? É apenas sectária (sunitas contra xiitas) e nacionalista (israelenses contra palestinos, árabes contra persas)? Ou é algo mais profundo? Eu estava discutindo essa questão central com Nader Mousavizadeh, um ex-alto funcionário da ONU e cofundador da Macro Advisory Partners, uma empresa de consultoria geopolítica, e ele apresentou outra moldura: "A verdadeira luta na região é entre incendiários e bombeiros".

Há muita verdade nisso. Os incêndios sectários e nacionalistas que são vistos em todo o Oriente Médio não são tão naturais e inevitáveis quanto alguém pode achar.

"São incêndios deliberados", argumenta Mousavizadeh, "causados por diferentes líderes para promover seus objetivos políticos, econômicos e de segurança estreitos e míopes". No Ocidente, ele alerta, "uma mistura de fadiga e fatalismo corre o risco de criar uma narrativa de conflito irreversível entre sunitas e xiitas. Isso é historicamente falso e livra os líderes da região de sua responsabilidade de exercer o poder de forma legítima e responsável".



Ele acrescentou que as divisões sectárias são reais, mas "não é inevitável" que a região mergulhe em uma conflagração sectária. É preciso incendiários para acender essas chamas sectárias e, "a menos que eles as acendam, as abanem e lhes deem combustível", a maior probabilidade é de que apaguem.

Como? Bashar al-Assad, o presidente da Síria, é um incendiário. Quando confrontado com um protesto popular não violento contra seu governo tirânico, ele abriu fogo contra os manifestantes, na esperança de que isso provocaria a maioria sunita da Síria a responder com violência contra seu regime de minoria alauita/xiita. Isso funcionou, e agora Assad se apresenta como defensor de uma Síria secular contra fanáticos sunitas.

O primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, é um incendiário. No instante em que os Estados Unidos deixaram o Iraque, ele prendeu deliberadamente líderes sunitas, os privou de verbas e parou de pagar aos combatentes tribais sunitas que se ergueram contra a Al Qaeda. Quando isso provocou uma resposta sunita, Maliki concorreu na última eleição como defensor da maioria xiita contra os "terroristas" sunitas. Funcionou.

O general Abdel-Fattah el-Sissi, do Egito, lançou uma repressão violenta contra a Irmandade Muçulmana, matando, ferindo e prendendo muitas centenas, e então concorreu à presidência como defensor do Egito contra os "terroristas" da Irmandade Muçulmana.

Os extremistas palestinos que sequestraram recentemente três jovens israelenses eram incendiários, visando minar qualquer esperança de uma retomada das negociações de paz entre israelenses e palestinos e embaraçar os palestinos moderados. Mas eles tiveram ajuda. Os judeus radicais apoiadores dos colonos no Gabinete israelense, como Naftali Bennett e o ministro da Habitação, Uri Ariel, são incendiários. Ariel anunciou deliberadamente planos para construção de 700 novas unidades habitacionais na Jerusalém Oriental árabe --visando sabotar o trabalho de diplomacia do secretário de Estado americano, John Kerry. E assim o fez.

Há bombeiros em todos esses lugares --pessoas como Tzipi Livni e Shimon Peres em Israel, o ex-primeiro-ministro palestino Salam Fayyad, Mohammad Javad Zarif no Irã, e o grão-aiatolá Ali al-Husseini al-Sistani no Iraque-- mas eles agora são sobrepujados pelas paixões desencadeadas pelos incendiários.

É difícil para pessoas que não viveram no mundo árabe perceberem que xiitas e sunitas em lugares como Iraque, Líbano e Bahrein costumam casar entre si. Eles são chamados por brincadeira de "sushi". Massacres sectários não são a norma. Uma pesquisa recém divulgada pelos Serviços de Pesquisa Zogby, realizada em sete países árabes, apontou que "a grande maioria em cada país apoia as políticas americanas que buscam uma solução negociada para o conflito (na Síria), somada com mais apoio aos refugiados sírios. As maiorias em todos os países são contrárias a qualquer forma de engajamento militar americano ou a armar grupos de oposição.

Eu fiz recentemente um discurso de formatura na Universidade Americana do Iraque –Sulaimani, no Curdistão. Seu corpo estudantil é 70% curdo e os demais são principalmente xiitas e sunitas de todo o Iraque. Com a liderança certa, as pessoas na região podem conviver. É o motivo para apesar de toda a conversa sobre dividir o Iraque em três partes, ela nunca foi a opção preferida da maioria dos iraquianos.

Um dos meus anfitriões curdos comentou para mim: "Os xiitas de Basra ainda desejam o famoso iogurte de Irbil", a maior cidade do Curdistão. "Quando chega o Ramadã, os curdos se sentem privados quando não podem quebrar o jejum diário com as famosas tâmaras de Basra." E os curdos passaram a apreciar fumar narguilé, uma tradição que adquiriram dos árabes. Há mais laços que unem do que o contrário. É preciso um esforço para conseguir rompê-los.

Sim, a harmonia entre diferentes seitas exige ordem, mas não precisa ser com mão de ferro. Os iraquianos realizaram em abril eleições justas. É possível fazê-lo. Essas sociedades precisam deixar de ser governadas por mãos de ferro e sim por "instituições de ferro legítimas, inclusivas e que prestem contas, e fortes o bastante para manter a estrutura da sociedade unida", argumentou Mousavizadeh.

Isso exige a liderança certa. "Assim, quando os líderes da região estiverem em Washington para pedir engajamento e intervenção, pedir dinheiro ou pedir armas", ele acrescentou, "é preciso que primeiro respondam à pergunta: você é um incendiário ou você é um bombeiro?"